NOTÍCIA
Iniciado na década de 90 e ainda não consolidado, processo de municipalização deixou grande parte dos municípios à deriva com a falta de recursos e de infraestrutura; clareza do regime de colaboração entre os entes federados se faz cada vez mais necessária
Publicado em 24/01/2012
Sala de aula em Cândido Rodrigues (SP) |
“O poeta municipal discute com o poeta estadual qual deles é capaz de bater o poeta federal. Enquanto isso, o poeta federal tira ouro do nariz.” Escrita na década de 30, a poesia de Carlos Drummond de Andrade, intitulada “Política literária”, cumpre o papel de ilustrar o processo de municipalização das escolas brasileiras ao longo dos últimos 15 anos. Desde a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em 1996, as diferentes instâncias federativas responsáveis pela educação brasileira vêm se engalfinhando em um complicado jogo de puxa e empurra, que nada tem a ver com qualidade de ensino. Se é verdade que a proporção de alunos do ensino fundamental sob a responsabilidade dos municípios dobrou, chegando a 60% do total, o processo ainda está longe de se completar. Pior: os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), principal combustível da adesão das cidades aos convênios de municipalização, têm data para acabar – 2020 – e não existe uma discussão madura nem sobre a partição de recursos, nem sobre o modelo de colaboração que deve existir entre o governo federal, estados e os 5.565 municípios brasileiros.
Esse é um retrato sucinto de um processo crucial para qualquer sistema educativo. Afinal, quem deve fazer o quê para administrar uma rede de escolas públicas onde hoje estudam 32 milhões de crianças e adolescentes? É um debate tão importante que deveria estar na pauta do dia de todos os governantes, principalmente às vésperas das eleições municipais. Toca em aspectos centrais da vida republicana: a relação entre os entes federativos, a autonomia dos municípios, a divisão do bolo tributário, as desigualdades regionais, a democratização da participação social, e, principalmente, o desenho de um projeto de nação que, cada vez mais claramente, passa pela construção de um sistema educacional estável, capaz de fazer frente às demandas do século 21.
Histórico
A discussão nada tem de novo. Para compreender o fenômeno da municipalização, é preciso voltar um pouco no tempo, mais especificamente ao início da República, no final do século 19, quando o ensino primário foi atribuído aos estados. Desde então, ao tentar traduzir o modelo federativo brasileiro na forma com que os estados se relacionam com o governo federal, o país se vê às voltas de forma recorrente com uma discussão pendular sobre centralização e descentralização administrativa. “Os municípios sempre surgem como o elo fraco da corrente federativa, com poucos recursos e, até 1988, com baixa autonomia”, diz o doutor em Educação José Marcelino Pinto, da Universidade de São Paulo (USP).
No campo da educação, a participação municipal quase sempre foi inferior à dos estados. O Brasil experimentou em quase 50 anos, entre 1889, final do Império, e 1930, fim da primeira República, um vertiginoso crescimento nas matrículas do ensino primário, que passaram de quase 259 mil para 2 milhões. Contudo, até pelo menos 1932, como se vê na tese de doutorado “Município, Federação e Educação: história das instituições e das ideias políticas no Brasil”, da pesquisadora Gilda Cardoso de Araújo, o município respondia por 17% das matrículas – menos do que a rede privada.
A partir de então, fica mais claro pelas estatísticas disponíveis que os municípios começam a aumentar proporcionalmente sua participação, que bate em 30% no final dos anos 40 – percentual que permanecerá estável até tempos recentes. A década foi marcada, não por acaso, por um vigoroso movimento municipalista, com a criação da Associação Brasileira de Municípios, que tinha entre outras bandeiras influenciar a Constituição de 1946 (para garantir maior autonomia) e outra velha conhecida dos brasileiros: a reforma tributária. O movimento foi vitorioso ao conseguir mudanças na repartição do bolo, mas com a ditadura militar instaurada em 1964, o pêndulo volta, e as conquistas dos municípios regridem, com a centralização dos poderes na União.
Ventos de mudança
Entre idas e vindas, os marcos mais recentes foram o da Constituição de 1988, que deu grande autonomia aos municípios, e o da promulgação da LDB em 1996, estabelecendo que a União deveria definitivamente se retirar da gestão de redes, cabendo aos estados a responsabilidade pelo ensino médio e, aos municípios, preferencialmente, cuidar da educação infantil e do ensino fundamental, e, posteriormente, da Educação de Jovens e Adultos (EJA). O mecanismo encontrado para promover o processo foi o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), criado pela Emenda Constitucional n° 14/1996.
Na redemocratização do país, portanto, o tema voltava com força. A rediscussão do pacto federativo tinha ingredientes como a busca de um modelo no qual a sociedade pudesse ter mais participação nas decisões dos governantes, numa espécie de reação alérgica à gestão centralizada em Brasília. Do outro lado, existia também uma clara pressão de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pela difusão de um conceito de Estado mínimo, que suscitava o medo das privatizações e do fim do ensino público gratuito.
Não acontecia só no Brasil, é verdade. O Chile viveu, a partir de 1980, um acelerado processo de municipalização, que agora se encontra em crise (veja texto na pág. 32). Nos Estados Unidos, a busca da descentralização chegou mesmo ao âmbito da escola, com grande autonomia. Contudo – daí a relevância de uma visão histórica -, os países também têm diferentes formas de organização federativa. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde os distritos cuidam da educação como uma espécie de delegação, o governo federal tem poder para intervir em uma escola municipal, algo impensável no Brasil.
Do lado de cá, a discussão prosperou num clima ideológico. “Não havia muitos estudos acadêmicos para amparar as discussões, então, e os debates ficaram nos extremos da ideologia e dos preconceitos”, lembra a pesquisadora Paula Louzano, membro do Grupo de Trabalho de Gestão e Efetividade Escolar do Programa de Promoção da Reforma Educativa da América Latina e do Caribe (Preal). “Havia a ideia de que a municipalização resolveria o problema. Bastaria descentralizar as decisões do governo federal para o estado e do estado para o município”, diz. Ao mesmo tempo, partiu-se da premissa de que a simples descentralização para os municípios garantiria maior participação popular, amparada no fato de que eles preservaram as eleições democráticas, mesmo durante a ditadura. “Ocorre que a tradição predominante nas cidades não é a da democracia, mas do coronelismo, e não parece que o processo tornou a escola mais próxima da população”, contrapõe José Marcelino.
O que se viu, desde então, foi o desenrolar de um novelo repleto de nós, em que ninguém se arrisca a mexer. O tema ressurge no artigo 7º do Plano Nacional da Educação (PNE), mas sem o destaque e a clareza que merece: “a consecução das metas do PNE e a implementação das estratégias deverão ser realizadas em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios”. Não há qualquer menção à maneira como essa parceria acontecerá na prática. Dos 12 artigos que antecedem as metas, conforme o texto original do projeto de lei, este foi o que mais recebeu propostas de emendas – um total de 95. Boa parte das emendas tentavam definir com mais precisão o que seria o regime de colaboração, e foram rejeitadas pelo relator Ângelo Vanhoni. O argumento usado por ele é o de que elas extrapolam os limites do PNE ao tratar da regulamentação do regime de colaboração – o que deveria ser feito, segundo ele, por instrumento legal específico – ou ao criar obrigações para os poderes em um texto sem força para isso. Pelo que parece, o PNE trará novidades para os impasses vividos por União, estados e municípios, que não são poucos.
Projeto inacabado
O primeiro deles é o mais elementar: consiste em terminar o que se começou. O próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no estudo periódico “Perfil dos Municípios Brasileiros”, divulgado em 2010, enfatizou: a municipalização da educação é “um ciclo ainda longe de se completar”. Segundo a pesquisa, embora tenha se registrado um expressivo crescimento – 52,1% dos municípios tinham sistemas próprios de ensino contra 42,7% em 2006 -, há grandes disparidades regionais. Enquanto Amapá, Rio de Janeiro e Sergipe quase universalizaram a municipalização do ensino, outros estados ainda não chegaram nem à metadedo caminho.
O perfil traçado pelo IBGE mostrou também que os municípios de maior porte populacional caminharam bem mais rápido inicialmente, até por já terem uma rede financiada com recursos próprios. Porém, à medida que os municípios com menos de 20 mil habitantes buscam maior autonomia, a municipalização avança também entre as pequenas cidades – que representam mais de 90% do total. É importante lembrar que os problemas aumentam na proporção da fragmentação dos municípios brasileiros. A autonomia plena concedida pela Constituição de 1988 foi um dos fatores que contribuíram para um explosivo crescimento do número de cidades, que se manteve praticamente estagnado na década de 1970, e depois pulou de 3,9 mil, em 1980, para 5,5 mil em 2000. Hoje, há mais de 800 pedidos protocolados para a criação de novos municípios.
Municipalização ou “prefeitorização”?
Para além do ritmo da municipalização, diferentes estudos que vêm analisando os moldes em que esse processo se deu apontam problemas comuns. Em primeiro lugar, é a intensa pressão política exercida pelos estados para que os municípios aceitem assumir a rede estadual. Muitos resistem, e não sem razão. Afinal, municipalizar significa, muitas vezes, assinar um termo de convênio no qual o estado cede seus equipamentos e as prefeituras assumem as operações. Em um primeiro momento, o estado pode continuar com os docentes em sua folha de pagamento, mas é uma situação instável do ponto de vista burocrático.
Em muitos outros lugares, a municipalização se tornou o que o pesquisador Vitor Pissaia, secretário de Educação da pequena Cândido Rodrigues (SP) e mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), chama de “prefeitorização”. Ou seja, a transferência de responsabilidades aos municípios não prevê recursos suficientes e tampouco apoio técnico para enfrentar a gestão de uma rede complexa, que exige diferentes expertises, quer sejam administrativas, quer sejam pedagógicas. Segundo ele, o secretário trabalha sozinho, sem contar com equipe pedagógica, e acaba virando um apagador de incêndios (leia texto abaixo). Para Pissaia, essa precariedade foi um dos fatores que estimularam o grande crescimento dos sistemas apostilados, que oferecem aos prefeitos um pacote de serviços que suprem as diversas lacunas enfrentadas pelas cidades. A maior parte dos municípios estudados por ele em sua dissertação do mestrado havia adotado sistemas para, de certa forma, suprir o desamparo pedagógico.
A lista de problemas não para por aí, lembra Cleuza Repulho, secretária municipal de São Bernardo do Campo e presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais (Undime). “Na maioria das vezes, recebemos prédios em situação extremamente complicada”, conta. Além disso, a disparidade salarial entre os professores das redes estaduais e dos municípios muitas vezes requer uma complementação pelo município, como ocorre em sua cidade. As cidades também acabam arcando com despesas para suprir as lacunas deixadas pelo estado, como o transporte e a merenda escolar. Para Cleuza, isso faz com que a questão dos recursos seja mais grave do que a falta de pessoal técnico. “Com dinheiro se contrata gente”, argumenta.
Hoje, na redistribuição de recursos feita pelo governo federal, os municípios recebem em uma espécie de “moeda-aluno”. Ou seja, cada aluno matriculado na Educação Básica representa um valor a ser recebido pela prefeitura. Para José Marcelino Pinto, essa forma de cálculo induz a distorções. Ainda que a prática tenha sido aprimorada, do Fundef de 1996 para o Fundeb de 2006, ela deveria ser enriquecida com a adoção de outros critérios de cálculo. “Do modo como está, leva a uma política de encher sala de aula com alunos-fantasmas”, critica Marcelino Pinto, que trabalhou no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e se deparou com diversas tentativas de prefeituras para inflar os números e, assim, engordar o orçamento. A adoção do critério Custo Aluno Qualidade (CAQi) ao PNE, proposta pelas organizações sociais e aceita por Vanhoni, pode ser um passo positivo.
Municípios adotam sistemas de ensino para suprir carência pedagógica |
Mais evidências
O fato é que se os primeiros tempos da municipalização foram marcados por um debate ideológico, o mesmo não precisa acontecer agora. Outro pesquisador que se dedica ao estudo do assunto nos últimos anos é Valdecir Soligo, doutorando em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Estudando as avaliações em larga escala, Soligo também se deparou com mais mazelas, entre elas a falta de cuidado com as especificidades locais.
“No Sul, municipalizar a educação não significou autonomia de gestão nem independência financeira. É um processo que vem de cima para baixo, de forma muito semelhante no conjunto dos municípios, como se não houvesse diferenças sociais, econômicas e políticas entre os municípios e regiões”, diz. O diagnóstico não é diferente do encontrado por Pissaia, para quem as mudanças de critério do processo devem começar pela própria definição do IBGE e do Inep, que chamam de pequenos municípios aqueles com menos de 20 mil habitantes. Para ele, há uma grande diferença de realidade entre esses e aqueles que têm menos de 10 mil habitantes – esses, sim, de fato pequenos, como argumenta em seu estudo. É o caso de Cândido Rodrigues, que possui apenas 2.668 habitantes.
“No município de maior porte, quando o secretário precisa de um engenheiro, tem um só para educação. Se precisa de um contador, há um contador específico para isso, e o RH, idem. No pequeno, você não tem a estrutura, e é duro cuidar de tudo”, relata. O argumento de Pissaia, somado ao medo de descontinuidade do Fundeb, vem se constituindo em uma das principais justificativas utilizadas por prefeituras em todo o país para postergar o plano de carreiras para os professores e para implementar o piso salarial mínimo docente estabelecido por lei. Dados do Plano de Ações Articuladas (PAR), do MEC, apontam que apenas 43% (ou quase 2.400) das cidades brasileiras apresentam plano de carreira para os profissionais do magistério. Para o levantamento, foram ouvidos 5.532 dos 5.565 municípios. Além disso, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) vem afirmando constantemente à imprensa que o piso nacional docente “quebrará os municípios”. Um levantamento feito pelo órgão em 2011 em 1.851 cidades revelou que pelo menos 622 pagavam salários inferiores ao estabelecido pela lei.
Em contrapartida, é possível perceber que as prefeituras e secretarias municipais pouco entendem da estrutura burocrática do MEC, que oferece programas específicos de auxílio às redes. Na busca de apoio para enfrentar os desafios de sua secretaria de Educação, Pissaia acabou por liderar um grande movimento em sua região, mobilizando outros secretários para aproveitar as portas abertas por programas como o Levantamento da Situação Escolar, e o PAR, que alguns de seus colegas sequer conheciam.
Quadro semelhante vem à tona quando o assunto é a suplementação de verba da União destinada aos municípios que não conseguem arcar com o custo do piso nacional docente. Até agosto de 2011, nenhum deles havia recebido o benefício – o problema é a falta de adequação das redes aos critérios exigidos pelo MEC para o repasse de verba. Uma reportagem publicada na edição 22 da revista Escola Pública (“Piso incerto“) levantou o caso da cidade de Cedro (PE), que precisaria providenciar o demonstrativo de gestão plena para ter o pedido de suplementação aprovado. “Precisamos comprovar que os recursos serão gerenciados pela própria secretaria de Educação, mas isto ainda é feito pela prefeitura”, contou Maria de Fátima Sedrim, secretária de Educação, à revista.
Regime de colaboração
Para os críticos da municipalização, a maneira pela qual o processo foi levado a cabo no Brasil faz com que nem mesmo uma definição mais clara dos papéis seja capaz de endireitar a sinuosa estrada da educação. “Por incrível que pareça, o regime de colaboração parece ser utópico para a realidade brasileira. Muito se fala, mas nada se faz para ampliar o diálogo entre municípios, estado e União”, critica Soligo. Segundo o pesquisador, o caminho atual é o da fragmentação do sistema. Ele cita movimentos de reintegração da rede ao Estado em Minas Gerais e na Bahia como exemplos de que há uma falência da proposta pela falta de consistência das políticas educacionais.
Arthur Fonseca Filho, do Conselho Estadual da Educação de São Paulo, defende que o regime de colaboração deveria ir além do que se discute hoje. Arthur, que já foi secretário municipal da Educação em Sorocaba, espanta-se com a duplicação das redes em diversas cidades. “Num mesmo município, há escolas trabalhando com currículos, metas e políticas diferentes, o que não faz nenhum sentido”, lembra. “A capital São Paulo é o mais típico exemplo disso”, complementa. Para ele, uma proposta realmente efetiva de colaboração deveria incluir os planos estaduais de educação e a definição de expectativas de aprendizagem válidas em todo o território nacional.
Há quem prefira, mesmo, um passo em outra direção, como é o caso de José Marcelino – que não está sozinho, e foi antecedido por uma respeitável linhagem de pesquisadores contrários à municipalização, como José Mário Pires Azanha e Luiz Antônio Cunha. Para ele, são igualmente falsas as premissas que vinculam municipalização a melhor gestão e à participação social. “A tradição predominante das cidades não é a da democracia, mas do coronelismo, e não parece que o processo tornou a escola mais próxima da população”, contrapõe Marcelino. Para ele, seria melhor convergir para um sistema público único no âmbito do estado, mas com base municipal democratizada, com intensa participação dos conselhos municipais de educação. “O que não dá é termos 5 mil sistemas de ensino diferentes”, defende.
Foco no aluno
Para Cleuza Repulho, qualquer que seja o caminho encontrado, é preciso que todas as decisões sejam tomadas pensando-se em um ator que vem sendo esquecido pelas políticas da área: o aluno. Ela acredita que a proximidade conferida pela gestão municipal favorece a qualidade, mas acha que todos os debates devem ser orientados pelo melhor atendimento às crianças e adolescentes. Afinal, redes municipais demonstram melhor desempenho do que as estaduais? A resposta é: depende. Os resultados variam conforme o contexto em que ocorre a implantação.
É justamente essa a conclusão de um relatório elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com base nos resultados da edição de 2009 do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). O estudo aponta que o caminho para a qualidade de ensino passa pela instituição da autonomia (no caso, a ponta do sistema seria a escola), mas que não há um modelo único a ser seguido. Países como Coreia do Sul e Finlândia (com médias de 541 e 543, respectivamente, na prova, em uma escala de 0 a 600), distribuem as tarefas de maneira mais ou menos centralizada entre escolas, autoridades regionais ou nacionais.
Em um contexto de tantas indefinições, pelo menos um dado é consensual. Da forma como vem acontecendo em muitos estados, a municipalização vem gerando, sim, uma malha burocrática que se caracteriza pela baixa sinergia, pela duplicidade de esforços e pela escassez de racionalidade administrativa. Quem perde é o aluno – um brasileiro que nada tem a ver com as confusões legais que o país acumula ao longo de sua vida republicana.
Gestor multitarefa
No interior paulista, um secretário municipal que trabalha em uma saleta, dividido entre funções administrativas e pedagógicas
Deborah Ouchana, de Cândido Rodrigues (SP)
Vitor Hugo Pissaia, secretário de Educação de Cândido Rodrigues (SP): participação em HTPCs |
Cândido Rodrigues é um pequeno município localizado a 354 km de São Paulo. Assim como em outras cidades do interior paulista, a primeira visão que se tem do município é a de uma praça rodeada por árvores, banquinhos e casas onde o silêncio impera. Algumas ruas abaixo da Praça do Cristo encontra-se uma das únicas três escolas do município: a Escola Municipal Rizzieri Polletti.
Logo na entrada da escola, uma sala com o nome “Secretaria da Educação” pintado em letras coloridas em cima da porta chama a atenção. Era lá que o antigo secretário de Educação trabalhava, mas, desde que assumiu o cargo em 2005, Vitor Hugo Pissaia abriu mão do espaço para que a coordenação pedagógica pudesse usá-lo. Hoje, a secretaria de Educação fica em uma sala ainda menor, nos fundos da escola, em frente ao refeitório dos alunos. Pissaia não encontra dificuldades para abrigar sua equipe pedagógica, já que ele é o único funcionário presente na folha de pagamento do órgão. “A secretaria não tem nem orçamento próprio. É tudo centralizado na prefeitura. Quando precisamos de recursos, enviamos solicitações aos setores competentes, para a aprovação do prefeito”, diz.
“A turma do limo”, história em quadrinhos usada nas escolas, foi desenhada pelo próprio secretário |
Como está instalado na escola, o secretário acaba assumindo outras funções. “Faço alguns trabalhos que não são inerentes à pasta. Cuido bastante da parte pedagógica, e não de gestão”, conta Pissaia, que chegou até a participar dos Horários de Trabalho Pedagógico Coletivos (HTPCs ), destinados a diretores, orientadores pedagógicos e professores. Para suprir as necessidades de seu município, Pissaia aposta em projetos de leitura e escrita feitos anualmente sobre temas da região, além da adoção de um sistema apostilado. Para a realização de um desses projetos, ele criou e desenhou “A turma do limo” (o limão é a base da economia da cidade), cujos personagens retratam figuras que predominam no município. A partir das ilustrações do secretário, os alunos criaram histórias que foram publicadas em um livro patrocinado, em grande parte, pelos comerciantes da cidade.
Assista ao vídeo com a entrevista de Vitor Pissaia, secretário de Educação de Cândido Rodrigues (SP)
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