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Universidades apostam na interação entre teoria e prática para garantir qualidade dos cursos de pedagogia; USP estuda mudanças em sua grade curricular

Publicado em 30/11/2011

por Redacao

Arthur Fujii
Aluna da Unifesp durante residência pedagógica em escola de Guarulhos

Uma das saídas para desatar um dos nós dos cursos de formação brasileiros – aulas estritamente teóricas, descoladas da prática – é o modelo de residência pedagógica. Isso porque, quando comparada com os estágios, a residência pressupõe um vínculo mais forte com as escolas públicas, já que é viabilizada através de parcerias formais entre universidades e redes municipais. A experiência mais marcante no Estado de São Paulo é o da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que criou o curso de pedagogia em 2007 já com o modelo em sua grade curricular.

“Não existe melhor laboratório que a escola pública”, defende Marcos Cezar de Freitas, diretor acadêmico da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da universidade. Mas a residência, cujo objetivo é possibilitar a aprendizagem “em situação”, não é a única estratégia do curso para garantir a união entre teoria e prática. Segundo a grade disciplinar, nos quatro primeiros semestres os alunos se dedicam às chamadas Práticas Pedagógicas Programadas (PPP), que trazem estudos de casos, discutidos em sala de aula. Nos quatro últimos semestres, o foco é nas residências pedagógicas, que abrangem as seguintes etapas educacionais: educação infantil, ensino fundamental, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e gestão educacional. Das 3.525 horas totais, 210 são direcionadas às PPPs e 300 às residências.

No caso da Unifesp, a parceria foi realizada com a secretaria municipal de Educação de Guarulhos, e prevê a atuação dos estudantes de pedagogia nas escolas de periferia da cidade. Freitas explica que os alunos da universidade são supervisionados tanto por docentes da Unifesp quanto por professores da escola, que os recebem. Ali, eles acompanham outros docentes, entendem o que é o projeto político-pedagógico da escola, aprendem aspectos sobre a gestão da escola e da sala de aula, são apresentados à relação entre pais e docentes, entre outros. O projeto também prevê que os futuros professores realizem uma “intervenção pedagógica” na turma em que realizam a residência. Ou seja: eles elaboram o chamado Plano de Ação Pedagógica (PAP), que pode ser uma aula ou um miniprojeto. “A experiência faz com que os alunos acumulem senso crítico para se distanciarem da realidade e saberem como agir”, diz Freitas. Alguns alunos, entretanto, apontam críticas ao curso, relacionadas com a sua carga horária

Em estudo
Já a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), que trabalha com o estágio, estuda a viabilização de um projeto nos moldes da residência, a ser realizado em parceria com a favela de Heliópolis, na capital paulista. Segundo Lisete Arelaro, diretora da Feusp, a própria comunidade procurou a faculdade com uma espécie de “plano diretor” para a educação de suas crianças. “A ideia é que, daqui a dez anos, os alunos de Heliópolis possam chegar à USP”, conta.

A “residência” levaria os alunos de pedagogia às escolas da comunidade, e cumpriria três funções: lócus de pesquisa para a Feusp, estágio e propulsora de atividades de extensão. “Teremos entrada na educação infantil, nas séries iniciais e nas disciplinas de português e matemática das séries finais do ensino fundamental”, continua Lisete. A diretora cogita, por exemplo, que além de os alunos da USP acompanharem os professores de Heliópolis (“não haverá imposição de práticas”, ela lembra), a parceria possibilite que os próprios docentes da comunidade frequentem grupos de estudo na universidade. As eventuais faltas seriam cobertas pelos estudantes de Pedagogia. Lisete diz que o modelo da Unifesp é bem visto entre os educadores, mas que o curso da USP ainda não tem condições de executar algo semelhante. “Eles têm 180 alunos, nós temos 3.400 por semestre. Vamos fazer um projeto com as pernas que temos”, afirma. A previsão é de que a “residência” seja iniciada no início de 2012.

Universo particular
No âmbito das universidades particulares, a Universidade Positivo, em Curitiba (PR), optou por priorizar a perspectiva prática em seu curso de pedagogia. A nova grade curricular, implantada em 2010, enfoca “a formação de competências metodológicas”. “Tiramos as abstrações. Estão presentes conteúdos de filosofia e sociologia, por exemplo, mas vinculados às questões que enfatizam a prática”, explica Márcia Sebastiani, pró-reitora acadêmica. Para Márcia, a maioria dos cursos de formação submete os alunos a “muita discussão ideológica”, o que faz com que eles fiquem perdidos ao chegar em sala de aula. “Ficam, portanto, menos autônomos”, complementa. A grade curricular prevê o ensino dos conteúdos e das metodologias de ensino. “Ensinamos primeiro o que é um hiato, para depois ensinar como ele deve ensinar ao aluno o que é um hiato”, explica a pró-reitora.

Além disso, o curso prevê as disciplinas de Práticas Pedagógicas Programadas (PPP) e estágios supervisionados, desenvolvidos em escolas públicas e particulares. Sobre os estágios, Márcia reconhece que algumas mudanças são necessárias, como a oferta do curso nos períodos diurno ou vespertino, e não noturno, como é feito atualmente. “O que acontece hoje é que os alunos da noite trabalham durante o dia em outra atividade, e precisam deixar o emprego para estagiar em apenas um período, manhã ou tarde”, continua.

Mudanças à vista
USP: alterações na grade curricular de 2012

A parceria com Heliópolis pode não ser a única novidade para 2012. Em época da revalidação do curso de pedagogia junto ao Conselho Estadual de Educação (CEE), a Feusp proporá um novo componente em sua grade curricular: os chamados “percursos formativos”. Se for aprovado, o modelo permitirá que, para além da coluna vertebral do curso, os estudantes escolham grandes áreas de interesse em pedagogia. “Serão possibilidades para que os alunos se aprofundem em determinados temas ou áreas que a eles interessem”, continua Lisete. Os percursos seriam, então, uma espécie de combinação de disciplinas optativas, com foco em EJA, educação infantil, gestão educacional, entre outros exemplos. “Não queremos que seja impeditivo. O aluno pode ter o caminho em educação infantil e descobrir que também quer fazer EJA”, diz.

A mudança exigirá outra, ainda mais profunda, na grade de disciplinas optativas. Isso porque, atualmente, a oferta de optativas depende da disponibilidade de tempo e interesse dos docentes da universidade. Se forem aprovados, os “percursos formativos” reorganizariam e aumentariam o leque de opções de matérias. “Algumas disciplinas exigem uma sequência lógica, devem existir sempre. As optativas terão o foco no aluno”, conta Lisete. Independentemente desse processo, duas novas disciplinas já integram a grade curricular da graduação: “educação comparada” e “metodologia de pesquisa científica”. Como a última reforma curricular do curso de pedagogia aconteceu em 2001, a direção da universidade sentiu que era hora de fazer algumas alterações. “A disciplina de metodologia havia sido excluída à época, mas achamos que ela é fundamental”, diz Lisete.

Arthur Fujii
Keni de Souza, residente da Unifesp: “o graduando precisa de mais tempo dando aula”


A voz dos (futuros) professores
A opinião dos alunos de pedagogia da Unifesp acerca da residência pedagógica

Por Camila Ploennes

Licenciado em matemática e professor da rede estadual desde 1990, Keni Nivaldo de Souza notou, com o passar do tempo, que o domínio do conteúdo não lhe bastava em sua atividade diária. “Faltava trabalhar a parte pedagógica e, em busca de algo que me ajudasse, me inscrevi no vestibular para o curso de pedagogia da Unifesp”, explica.

A decisão de começar uma nova graduação depois de mais de 15 anos de carreira foi tomada a partir da constatação de que os frequentes embates com os alunos adolescentes tinham origem em uma antiga convicção do docente: “Eu acreditava que todos os estudantes tinham de estar ali querendo aprender matemática e ponto final. Até então, eu não entendia que cada um tem o seu tempo e que é preciso respeitar isso”.

Keni, que leciona matemática para a 8ª série do ensino fundamental e o 2º ano do ensino médio na Escola Estadual Jardim Fortaleza II, em Guarulhos, também participa da residência pedagógica que integra a grade curricular da Unifesp. Neste semestre, ele acompanhou uma turma da 5ª série da escola Jeanete Beauchamp, da prefeitura. Resumidamente, o trabalho de cada residente consiste em observar o trabalho da professora da classe, interagir com os alunos em todas as atividades, anotar as necessidades deles e, com base nisso, consolidar relatórios que são discutidos dentro da universidade para a elaboração do Plano de Ação Pedagógica (PAP).

Para Keni, essa proposta leva o futuro pedagogo a pensar elementos para aulas diferentes. “Eu vejo agora que, se eu consigo preparar melhor minha aula, o aluno nota esse empenho e o resultado é muito positivo”, observa. No entanto, na opinião dele, o modelo da residência necessita de ajustes. “O graduando precisa de mais tempo dando aula, acompanhado do orientador dele. Na prática, temos somente oito horas para aplicar o PAP”, pondera. A carga horária total da residência é de 105 horas.

Também aluna do curso, Luzia Rozendo da Silva afirma que a residência é uma necessidade, principalmente para quem, como ela, está fazendo a primeira graduação. “É um período de contato com os alunos, em que aprendemos a fazer projetos de forma aprofundada e autônoma”, avalia. Segundo ela, a ressalva é a carga horária: “Quando a residência começa, o curso praticamente passa a ser integral. Para quem já trabalha, esse fator complica”.

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