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Entrevistas

Novo patamar

Para economista argentino, América Latina evolui na questão do financiamento, mas escolas públicas precisam atender novos contingentes de alunos e melhorar a qualidade

Publicado em 10/09/2011

por Redação revista Educação

Os investimentos públicos em educação vêm crescendo em toda a América Latina, mas ainda estão longe de ser suficientes para que seus países atendam suas populações a contento. Mas há aqueles, como Argentina, México e Brasil, em que novas demandas estão sendo geradas em função de avanços, e outros, como a Guatemala, em que o investimento público ainda patina em torno de 2% do PIB.

Para Alejandro Morduchowicz, economista argentino do escritório de Buenos Aires do Instituto de Planejamento da Unesco e especialista em financiamento da educação, o continente ainda tem alguns grandes desafios a resolver. Entre eles o de transformar suas práticas pedagógicas para atender os alunos que até há pouco tempo estavam fora dela e o de avançar na questão da qualidade. Leia, a seguir, a entrevista concedida ao editor Rubem Barros.


A Conferência Nacional de Educação, realizada em Brasília há alguns dias, aprovou a proposta de estabelecer em 10% do PIB o valor dos investimentos em educação. Como o senhor vê essa decisão?


Primeiro é preciso saber quais são as necessidades. Em função delas, se dirá se a porcentagem é suficiente ou não. A Unesco tradicionalmente propõe para países em desenvolvimento algo em torno de 6% do PIB.

Já há vários países na América Latina que investem esse percentual, mas em alguns isso parece insuficiente. Esse valor está relacionado ao tamanho do sistema educacional, do país e à sua riqueza, à qualidade que se espera alcançar.


Mas é uma conquista? Quanto, em média, os outros países latino-americanos têm investido?


Como tudo, fixar um percentual do PIB tem vantagens e desvantagens. A vantagem é que se o país cresce e há mais recursos, eles serão alocados na educação; a desvantagem é que, em época de crise, o investimento em educação está vinculado à economia. No entanto, é um avanço em relação à situação atual. Quanto aos 10% teríamos de ver quais são as necessidades do Brasil na Educação Básica. Há muita diferença de investimentos entre este nível e o superior, e neste aspecto o país se diferencia bastante de outros países da América Latina. A média de investimentos em educação em relação ao PIB na América Latina é de 4,6%, bem mais baixa que a dos países mais desenvolvidos da OCDE e da Europa. Há países que têm 5% ou 6%. Na Argentina, há uma lei de financiamento desde 2006 que propôs chegar aos 6% em 2010, ou seja, em cinco anos. E está sendo cumprida. O curioso é que sempre tivemos uma demanda por esse nível de investimento e, agora que o estamos alcançando, vê-se que é insuficiente. Começamos, então, a discutir o aumento desse percentual. A realidade é que a economia dos nossos países cresceu nos últimos anos, e os sistemas educativos deveriam aproveitar esse crescimento para obter mais recursos.


Países que têm sistemas educativos mais ineficientes ou que ainda não universalizaram a Educação Básica não deveriam investir mais, como fez a Coreia do Sul a partir dos anos 60?

O exemplo da Coreia não é comparável em função de seu regime político. No entanto, o interessante nesse caso é o ponto de partida, pois estavam pior do que muitos países na década de 60 e fizeram uma aposta na educação para preencher as lacunas que tinham. Há países da América Latina que investem menos de 2% do PIB, como a Guatemala ou alguns países da América Central que dependem totalmente de ajuda externa. Na Guatemala, a maior parte dos estudantes do ensino médio frequenta escolas privadas, pois o investimento público é insuficiente. Países da região que podem ser comparados ao Brasil, como Argentina, México, investem neste momento ao redor de 6%. Conheço pouco as estatísticas relativas ao Brasil, mas creio que aqui computam no percentual da educação as aposentadorias dos professores, o que outros países não fazem. Isso não é propriamente um investimento em educação, é um recurso estatístico. Obviamente que as aposentadorias existem, mas é um gasto de seguridade social, e isso infla artificialmente os investimentos.  


Os fundos que remuneram as redes de acordo com o número de alunos de cada etapa da educação constituem o sistema mais justo de redistribuição de recursos da União para os entes federados?

Sim. Em nível macro, distribuir em função do número de alunos é correto e adequado, porque a quantidade de alunos determina a necessidade de financiamento que se tem. Foi o que fez primeiro o Fundef, que o Fundeb ampliou. Depois que esses fundos se efetivaram, tendo em conta as distintas necessidades específicas de cada nível de ensino, 
talvez se devessem também levar em conta necessidades básicas não satisfeitas ou indicadores econômicos visando o aperfeiçoamento, mas a base de cálculo sempre deve ser o aluno. Na Argentina, alguns fundos distribuem suas verbas em função da quantidade de docentes, mas nesse caso se pode premiar quem é mais ineficiente e designou mais docentes do que o necessário.


Então redistribuir por aluno é o sistema que torna o direito à educação mais efetivo?


A base de cálculo deve ser a quantidade de alunos. Num sistema federal, quando se redistribuem recursos entre diferentes níveis de governo, se deveria incorporar a capacidade fiscal dos estados, que não são iguais. Um estado mais rico em termos de receitas fiscais pode investir mais em educação do que outro mais pobre. Uma das funções que tem um governo central é equiparar, ou ao menos diminuir essas distâncias. Nesse sentido, o Fundef e o Fundeb melhoraram a situação que existia antes. O que se deve ver é se é necessário ou não enfatizar as medidas de redistribuição.


Programas isolados podem constituir boas políticas públicas?


Há uma tendência já há uns 15, 20 anos, e isso escapa ao financiamento, que crê que uma política pública é uma soma de programas. Seria preciso definir o que é uma política pública. Às vezes, cria-se um programa para cada problema e a ele se direcionam os recursos. Mas a questão é qual a efetividade dos programas e, obviamente, como se redistribuem os recursos.


A educação tem passado por um processo de financeirização em escala mundial. No Brasil, o volume de recursos movimentado pela educação privada passou de R$ 10 bilhões anuais em 2001 para R$ 90 bilhões em 2008. Que impacto isso traz para o financiamento público da educação?


Em teoria, isso deveria somar recursos à educação. O problema seria se os governos, ao verem que há investimentos privados, diminuíssem o seu aporte de recursos. Isso é como o crowding out: se vejo que outro investiu 100, já não tenho necessidade de investir estes 100. Pelo menos no caso argentino, dobra-se a aposta: a cada peso que o setor privado investe, o setor público deve investir mais, assim não fica em desvantagem. Está em discussão o vínculo entre o orçamento e a qualidade da educação. Se o setor privado está investindo muito em educação, ótimo, pois estamos em um sistema capitalista e é melhor que invistam em educação. O problema é o que o setor público está fazendo frente a isso. O investimento privado não deve aumentar a defasagem entre os estudantes que vão à escola privada e aqueles que vão à escola pública. Que é um pouco o que aconteceu no Chile.
 

Como o senhor vê o ProUni?


No Brasil, a tradição sempre foi de o setor público não subsidiar a escola privada. Mas quando você dá um subsídio ao aluno para ir à universidade privada, na realidade é um subsídio a essa universidade. Isso acontece porque existe o subsídio. Se não existisse, será que o aluno da escola pública iria para lá? Creio que isso permite ou favorece que vá. Que o setor privado invista em universidades privadas, é o que acontece normalmente. O problema é quando o setor público está subsidiando o setor privado e não faz o mesmo com o próprio setor público, com seus próprios estabelecimentos.
 
Em seus estudos, o senhor tem apontado mecanismos de cobrança aos alunos da escola pública que configurariam uma privatização do ensino público. Quais são?
Havia casos na América Latina em que se permitia cobrar uma taxa de acesso dos alunos que iriam concorrer a uma vaga nas escolas do estado. Em alguns casos, havia uma cobrança anual, ou até mensal. Há uma contradição entre a obrigatoriedade da oferta e esse tipo de cobrança. Se o Estado estabelece que é obrigatório, não pode cobrar. É como um sistema de vacinação, se estabeleço que a vacina contra a tuberculose é obrigatória, não posso cobrá-la, porque o pobre não pode pagar. A Colômbia é o único país que admite legalmente que haja cobrança nas escolas. Mesmo que a maior parte das escolas não faça nenhuma cobrança, há permissão legal para que isso aconteça. Em outros países, as escolas cobravam uma taxa para poder obter recursos que o Estado não lhes cedia, mas isso foi suprimido. Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Equador são países nos quais os pais tinham de pagar uma cota para mandar os filhos às escolas do Estado. E isso, mais do que um tipo de privatização, é um tipo de exclusão, porque o pai que não pode pagar deixa de enviar o filho não só à escola privada, mas também à estatal.   


E isso tem sido revertido?

No Equador, foi suspenso há dois ou três anos. Na Guatemala e El Salvador, há dois anos. E quando se toma essa decisão, o orçamento público para as escolas tem de crescer de imediato, para compensar o que as famílias pagavam e o aumento da demanda, provocado pelas famílias que não podiam pagar e não enviavam os filhos à escola. O que acontece no resto da América Latina em termos de direito à educação é que o problema não é mais a questão da taxa ou o que um pai pode pagar quando envia um filho à escola do Estado, mas sim o que se paga adicionalmente quando a criança vai à escola – apostilas, uniforme, mochila. Quando os pais dos estratos econômicos mais baixos têm de pagar para comprar os livros de seus filhos, isso também é um problema. Se os livros não são cedidos e se não há uma bolsa-escola ou algo do gênero, o atendimento do direito à educação torna-se problemático.


Mas há outros modelos ainda, como o Chile…


No Chile, diferente do que ocorre no resto da América Latina, o dinheiro que ia para as escolas estava diretamente ligado à quantidade de alunos de cada unidade. O que aconteceu – e isso foi parte da revolta estudantil que houve em 2006 – foi que o valor que se pagava por aluno era igual em todas as escolas. Dava-se, por exemplo, R$ 100 por aluno. Mas, como as necessidades não eram as mesmas, pois algumas escolas recebiam alunos menos favorecidos do ponto de vista socioeconômico, a disparidade foi se ampliando. Então, o que o Chile mostrou é que essa aspiração igualitária não é viável, pois o ponto de partida dos alunos não é o mesmo. Isso causou a revolta dos alunos e tiveram de fazer uma reforma e introduzir o que se chama de "subsídio preferencial", em que se dá mais às escolas em que há alunos menos favorecidos do ponto de vista socioeconômico.


No Brasil, as famílias cujos filhos estão em escolas privadas têm o direito de descontar um valor do imposto de renda. Como o senhor vê esse mecanismo em relação ao direito à educação?  

Alguns economistas dizem que isso é justo, pois vale para todo mundo. Mas só podem descontar aqueles que têm uma renda alta. Então não é para todos, pois aqueles que não têm renda alta não podem usufruir. Alguns dizem que, se não lhes permitem descontar, estão pagando pela educação de seus filhos duas vezes, uma ao pagar os impostos, outra quando mandam os filhos à escola. A diferença é que mandar os filhos à escola privada é uma decisão pessoal. A questão é que estas são receitas fiscais que o Estado deixa de receber. A pergunta é: por que se deve direcionar dinheiro público para subvencionar objetivos privados? Se você envia seu filho por vontade própria, esse é um problema seu, pois as escolas públicas necessitam muito desses recursos.


Se compararmos a América Latina dos anos 70 e a de hoje, o atendimento do direito à educação melhorou?


A média de anos de escolarização no continente vem aumentando, dos anos 60 para cá, ao redor de um ano a cada década. Com isso, a cobertura cresceu. No Brasil, por exemplo, se ampliou muito dos anos 50 até hoje. A Argentina atingiu antes a universalização da escola primária e a manteve, mas Paraguai, Bolívia, que estavam entre os mais atrasados do continente, aumentaram muitíssimo. Mas, quando se aumenta muito a cobertura, novas demandas são geradas. Quando se alcança a universalização no nível fundamental, por exemplo, há pressões para obtê-la também no nível médio. E o outro grande desafio que surgiu em toda a América Latina é o da qualidade. Com a universalização, ingressaram nas escolas setores tradicionalmente excluídos e isso exige novas práticas pedagógicas, repensar o currículo e tudo o que acontece dentro da escola. Essas demandas, por sua vez, requerem mais financiamento. Porque se a cobertura aumenta e o financiamento se mantém estável, o custo por aluno está sendo reduzido. E estamos falando de escolarizar um aluno que não é da classe média, que requer mais coisas – a mochila, os livros, determinadas condições sociais de aprendizagem que não são as mesmas. E isso pede um investimento maior.

Autor

Redação revista Educação


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