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Entrevistas

Liberdade de docência

A estratégia para aumentar o número de docentes e melhorar a qualidade de sua atuação, sobretudo nas áreas de ciências exatas e biológicas, deve ser utilizar jovens com alta capacitação, defende sociólogo

Publicado em 10/09/2011

por Redação revista Educação


Simon Schwartzman

"É preciso abrir a formação docente. Ter pessoas com outro tipo de formação que também ensinem." É o que defende Simon Schwartzman, atual diretor-presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1994 a 1998.
 
Organizador, com Colin Brock, de Os desafios da educação no Brasil (2005), o sociólogo e cientista político acha que a Educação Básica deve se concentrar no essencial, ou seja, em fazer com que o aluno aprenda as competências matemáticas, de escrita e leitura e das ciências básicas. Duvida que a aposta no ensino técnico dê bons resultados e acredita que as políticas de governo, cíclicas, começam a se transformar em políticas de Estado, mais duradouras. Leia, a seguir, a entrevista concedida ao editor Rubem Barros.

 
 

Segundo o ministro Fernando Haddad, um dos problemas da formação docente no Brasil é que apenas 15% dos professores vêm das universidades públicas. A crítica ao ensino privado é justa?


De fato, grande parte da formação dos professores hoje se faz no setor privado, mas não conheço evidência de que a formação dos professores na universidade pública seja melhor.


Nas áreas de física, química, biologia e matemática, temos de formar docentes em progressão geométrica e elevar a qualidade dessa formação. Qual a melhor estratégia para isso?


Utilizar pessoas que estão se formando nessas profissões. Pode-se pegar alunos de medicina e pedir que dêem aulas de biologia; de matemática ou de engenharia para dar aulas de física e matemática. Se você deixar que os estudantes recém-formados ou de pós-graduação dêem aulas como parte de seu processo de formação, pode ser interessante. Essa turma é muito boa e ganharia, assim, um dinheiro adicional. Como são jovens, devem ter boa relação com os alunos. Dificilmente hoje alguém resolve ser professor de 2º grau de física. Se gostar de física, fará uma pós-graduação e será pesquisador. É muito difícil atrair alguém para uma carreira de ensino médio.


Isso seria uma saída de curto prazo?


É preciso abrir a profissão docente, ter pessoas com outros tipos de formação que também ensinem. Não se pode pensar que o professor tem de ser sempre professor. É claro que é diferente o professor especializado em educação infantil. Mas nessas áreas em que há conteúdo, de ciências sociais ou naturais, de matemática, tem de abrir, de buscar pessoas de todos os campos que possam ser capacitadas para a sala de aula.


Essa estratégia é mais adequada que a de valorizar a carreira do professor?


Tem de misturar as duas coisas. A valorização da carreira do professor é um problema mais acentuado na educação inicial, em que o professor é o professor de classe, em que o lado da pedagogia é muito importante, a técnica da alfabetização etc. Nos níveis mais avançados, como no ensino médio, a carreira deve ser aberta.


Qual sistema poderia servir de modelo para essa experiência?

Os EUA têm um sistema bastante amplo de licenciatura para pessoas que não fazem a carreira docente. As pessoas podem ser capacitadas seja pela carreira docente, seja por outra em que depois fazem um curso ou uma certificação. Há maneiras de fazer isso rapidamente.


O problema não está no pouco foco que as licenciaturas dão às questões pedagógicas hoje?


Não. Uma pessoa que entende bem de física possivelmente será um bom professor. O problema dela é se não entende bem de física, se não está interessada naquela matéria. Se é um bom aluno, você dá a ele um bom material didático e faz um treinamento, em seis meses será um excelente professor.


O que acha de federalizar a formação?

O governo federal tem um papel de ajudar a definir padrões de qualidade do professor. Isso se faz por sistema de certificação, sistema de discussão e melhora do currículo mínimo. Não vejo no governo federal a capacidade gerencial e administrativa para fazer isso. O próprio sistema de ensino superior público é pequeno comparado à necessidade do país.
 

E o uso da educação a distância na formação de professores?

A formação de professores tem várias etapas. Há uma de conhecimento, que é indiferente se for a distância, presencial ou semipresencial. O que tem de haver é um bom sistema de certificação para verificar se o aluno de fato aprendeu. Mas há outra parte da formação, a indução, que é a colocação desse professor em sala de aula. Isso tem de ser sob orientação e acompanhamento. Nisso o Brasil falha. Não temos nem para o professor que se forma na faculdade. Ele não aprende como mexer com sala de aula e é jogado lá.


E quem faria essa certificação?


Poderiam ser os Estados. O sistema de Educação Básica é descentralizado. O governo federal pode fazer convênios com os Estados, induzir, mas, em última análise, os Estados são independentes, têm autonomia para isso.


Recente avaliação dos professores chilenos revelou um baixo índice de docentes considerados de excelência. O que isso nos indica?

Só recentemente o Chile começou a avaliar os professores. Até o governo Pinochet, os professores eram funcionários públicos federais. Pinochet forçou uma descentralização, e viraram funcionários municipais. Houve uma perda grande de salários, além do clima de repressão política, que gerou uma situação muito ruim. Depois, os governos da Concertación [coalizão que assumiu o governo pós-ditadura] começaram a aumentar os salários, dar melhores condições de trabalho, a recuperar esse tipo de coisa. Mas é a primeira vez que o governo olha de fato o que os professores sabem e aprendem. Nesse sentido, a situação não é muito diferente da nossa. As faculdades de educação, de pedagogia, estão distantes da necessidade prática da sala de aula, é uma coisa muito teórica, não há uma formação específica. E há um problema que afeta todos os países, que é o baixo prestígio da profissão e os baixos salários, o que tornou a carreira uma escolha para quem não consegue fazer outra coisa.


O PDE está no caminho certo?


O Plano é um ponto de partida ainda modesto. O governo Lula, nos quatro primeiros anos, não sabia o que fazer com a educação. Fez uma série de programas que não tinham nada a ver com as questões fundamentais. No segundo mandato, com o ministro Haddad, já começa a apontar os problemas da qualidade, do mau desempenho da escola básica, problemas corretos. Desenvolve esse Ideb, que é importante para saber o que está acontecendo, vai dar recursos para apoiar as escolas em piores condições, ou seja, a preocupação está no sentido correto. Mas não sei como está sendo feito do ponto de vista de transformar essas preocupações em ações efetivas. De todo jeito, é uma coisa lenta. E não é o governo federal que vai resolver. Os acertos são estaduais e municipais.


O ensino médio tem despontado como o maior problema da educação neste momento. O MEC propõe ampliar as vagas das escolas técnicas e assumir 10% das matrículas do ensino médio. A direção é boa?

As escolas federais de ensino médio ficaram tão boas que viraram escolas de classe média alta para os meninos se prepararem para o vestibular. Hoje em dia todas estão fazendo pós-graduação, mestrado, curso superior etc. Os Cefets estão virando universidades. Do ponto de vista da formação técnica, a idéia de uma formação de nível médio para o mercado de trabalho não está dando certo.


Por quê?


Essa discussão do ensino técnico é complicada. A idéia antiga, que os europeus adotaram e o Brasil tentou imitar [no século 20], é que uma certa elite se prepara para a universidade e a massa vai fazer curso técnico para ser operária. Essa é a concepção alemã, francesa, inglesa, idéias de 1920. Isso hoje na Europa está em crise, porque o setor industrial ficou pequeno e o emprego industrial depende de leitura, conhecimento de língua, computação. A formação técnica manual do operário especializado, dos anos 50-60, está sumindo. Então, que formação técnica é essa? Você pode fazer isso num certo nicho. Por exemplo, em São Paulo existe o Centro Paula Souza, um sistema que faz isso, no nível médio e um pouco no superior, naqueles cursos de dois anos. Faz formação para indústrias, parcerias. Mas são 200 mil pessoas, se tanto, num Estado como São Paulo. Não dá para crescer muito esse ensino.


O que fazer então?

A educação média tem de ser uma educação para a pessoa terminar lendo e escrevendo bem, sabendo usar a matemática. Daí pode fazer um curso especializado, mais avançado. No mundo todo, a tendência é criar escolas que sejam múltiplas. Os americanos fazem isso, os alemães estão começando a fazer. O aluno entra e, conforme o interesse e a capacidade dele, vai fazer um curso mais ou menos prático, mais ou menos aprofundado. E conforme o que fizer naquele meio, vai para uma universidade ou para um curso profissional de curto prazo. É mais diversificado.


O problema do nosso ensino médio está mais centrado no currículo?


Há vários problemas. O primeiro é que os alunos chegam muito mal. A porcentagem de alunos que terminam os oito anos do fundamental sem saber ler com fluência é de 50% para cima. Depois, há um problema de infra-estrutura: a maior parte do ensino médio público é à noite, não há escolas. Usam as escolas que são do fundamental durante o dia. E o que é curso médio à noite para adolescentes? Começa às 19h30 e termina às 21h. Existe o problema do professor. O conteúdo é antigo, ultrapassado e há essa tendência maluca brasileira de obrigar a aprender qualquer coisa no ensino médio. Há sociologia, filosofia, trânsito, qualquer coisa que alguém ache importante colocar como obrigatório no ensino médio.


Filosofia não é útil no ensino médio?

Não. Uma escola pode até ensinar como opção, mas obrigar todo mundo a aprender filosofia… Tem de aprender matemática e português, as ciências básicas e entender como é o país em que vive. O resto é adicional e depende do interesse do aluno, da capacidade da escola. A Lei de Diretrizes e Bases é inteligente, abre essa possibilidade, cria algo bastante aberto, mas há uma tendência de exigir.


As políticas na área de educação estão se tornando de longo prazo?

Uma coisa que está se consolidando aos poucos é que a educação não pode ser uma política de governo, tem de ser uma política de Estado. É o caso do Chile, que quebrou a cabeça, fez muita bobagem, mas de 1990 até hoje  há continuidade. O mesmo tipo de coalizão política se mantém há quase 20 anos. Isso permite aprender. É preciso experimentar, tentar, avaliar, é um processo de aprendizagem. Também começa a haver um envolvimento maior da sociedade com a educação. O governo não pode colocar no Ministério um político que não seja ligado ao assunto. Há uma comunidade grande que diz que não pode, que deve ser alguém da área. É uma tendência que mostra que o tema está sendo levado mais seriamente pela sociedade e pelo governo.

Autor

Redação revista Educação


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