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Entrevistas

Ações articuladas

Membro do Conselho Nacional de Educação finlandês credita o sucesso do país no setor à percepção de que o ensino é um fenômeno complexo, que depende de muitas variáveis

Publicado em 10/09/2011

por Beatriz Rey

Em 1968, o parlamento da Finlândia, então governada pelo Partido Social Democrático,  aprovou o School System Act, resultado de negociações que envolveram toda a sociedade, com vistas a universalizar o acesso e elevar a qualidade da educação local. Quase 40 anos depois, em 2007, o governo finlandês viu novamente suas ações serem premiadas pelos resultados obtidos no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês). Seus alunos conquistaram o primeiro lugar entre as nações participantes da prova da Organização para a Cooperação e para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), um exame internacional que testa as capacidades de estudantes do ensino secundário com quinze anos de idade. O foco naquele ano foram as capacidades em ciências. A pontuação finlandesa foi de 563, numa escala que varia de 334,9 a 707,9.

Entre as principais políticas estabelecidas a partir de 1968 des­tacam-se a autonomia do professorado, escolas e municípios e a formação do maior nível de exigência para formação docente. Para Reijo Laukkanen, membro do Conselho Nacional de Educação Finlandês, a integração efetiva de uma série de políticas educacionais garante o sucesso finlandês no desempenho acadêmico de seus alunos. "Se não tivéssemos apoio para as crianças que têm problema de aprendizagem, não daria certo. Se não tivéssemos professores qualificados, também não", coloca. Há aproximadamente 40 anos na área educacional, Reijo relembra a época em que o professor era visto como herói na sociedade finlandesa. "Ele era a única pessoa nas vilas que tinha um histórico educacional mais qualificado", aponta. Esse fator histórico é um dos que concorrem para que haja uma percepção positiva da sociedade sobre educação: ela é vista com respeito. É um consenso entre professores, diretores, gestores e políticos – independentemente do partido ao qual sejam filiados. Na entrevista abaixo, concedida à subeditora Beatriz Rey, Reijo compartilha suas visões sobre o processo de melhoria da qualidade da educação em seu país.


O senhor disse recentemente que, em função de uma relação de confiança, não há necessidade de avaliar os professores finlandeses: eles sabem o que fazer em sala de aula. Como essa confiança foi construída?

Ao longo dos anos. No começo da década de 70, trabalhávamos com inspeção porque o objetivo era que os professores se comportassem do mesmo jeito para que todos recebessem o mesmo nível de educação. Mas então aumentamos o nível da formação dos professores. Sabíamos que eles eram professores qualificados. Todos os docentes passaram a ter diploma de mestrado. Também aumentamos a quantidade de estudos pedagógicos para aqueles que dão aulas no ensino médio. Sabemos que eles vão bem. Temos os mesmos problemas que outros países. Mas se para eles é necessário inspeção e controle, aqui na Finlândia não.


A partir de qual momento investiu-se na autonomia dos professores?


Começamos a trabalhar com autonomia e descentralização em 1984. Demos mais autonomia para que a qualidade do ensino fosse melhorada. Queríamos dar aos professores mais margem para que pudessem inovar. Porque não queríamos estabelecer regras muito fechadas, que não dão espaço de criação aos docentes. Queríamos usar toda a capacidade que tínhamos no país. Eles precisam estar livres para poder inovar.


Apesar de os professores terem autonomia, há um currículo nacional mínimo a ser seguido. Como isso funciona na prática?


O segredo é que temos professores altamente qualificados. Quando você pensa na nação finlandesa, e tenta descobrir como melhorar o nível educacional, a coisa mais importante é estabelecer objetivos para todo o país. Esses objetivos têm de ser altos, não baixos. Isso é muito importante. Se você quer que o desempenho melhore em todas as faixas etárias, você tem de dar mais suporte para aqueles que têm mais dificuldade de aprendizagem. Se você tem objetivos altos, sempre haverá estudantes fracos, que não alcançam os objetivos e que precisam de mais apoio.


O professor era visto como herói na Finlândia há algum tempo. O senhor pode nos contar um pouco sobre isso?


Posso dizer pela minha própria experiência. Meu primeiro emprego em educação foi o de professor primário. Trabalhei por quatro meses num município rural, no meio de grandes florestas com casas ao redor. Naquela época, eu era jovem e queria andar pela estrada à noite. Muitas vezes os carros paravam na estrada e insistiam para me dar carona. Eu era tratado como um rei. Quando realizávamos festas na escola, havia uma recepção com café e comida. Não conseguia entender por que ninguém se levantava para tomar café. Alguém me disse: "se você, professor, for primeiro, daí os outros se levantarão também". Ninguém se levantava antes de mim. O primeiro a ser respeitado na sociedade era o padre. Depois, vinha o professor. Agora é diferente, é claro. Naquela época, o professor era a única pessoa nas vilas que tinha um histórico educacional mais qualificado. Mas ainda hoje, na Finlândia, a educação é respeitada. E os professores também. Por exemplo: antigamente, o casamento só era possível se os noivos soubessem ler livros básicos. Todos queriam aprender a ler. E todos respeitavam o professor.


Muitos jovens ainda querem se tornar professores na Finlândia. Esse respeito de antes tem ligação com essa opção atual?

Isso está relacionado com três aspectos. O primeiro é o respeito histórico pelo docente. O outro é que ser professor é realmente ter uma profissão, ou seja, há autonomia. Eles não são orientados pelo Conselho Nacional de Educação sobre como devem ensinar. A terceira questão é que os professores têm um histórico acadêmico. Eles devem ter um mestrado para ensinar. As famílias têm orgulho quando os filhos têm um mestrado. Em outros países, o problema pode ser que os alunos não são tentados a ser professores. Quando você aumenta a exigência acadêmica, isso muda. As três coisas juntas fazem com que a profissão seja disputada.


O que o senhor pensa da bonificação de professores e diretores de acordo com o seu desempenho?


Gosto de dizer que não há um sistema educacional perfeito. Do mesmo jeito que não há uma única maneira correta de organizá-lo. Em alguns países, esse mecanismo pode funcionar. É o que chamamos aqui de "um porrete, se você não foi bem, ou uma cenoura, se você foi bem". É difícil dizer se é bom ou ruim. Na Finlândia, isso não funciona. Não precisamos desse tipo de política. Estamos indo bem. É claro que temos problemas. Na verdade, temos praticamente as mesmas dificuldades que o Brasil: alunos com problemas de comportamento e de aprendizagem, alcoolismo, drogas etc. A diferença está na dimensão. Não temos tanto como nos outros países, então é mais fácil de lidar.


Há alguma discussão a respeito da quantidade de alunos por sala?


Não há regras a respeito disso. Depende do município e da própria escola. Eles podem decidir isso. Os diretores podem usar a flexibilidade. Eles podem mudar os grupos de alunos todos os dias, se quiserem.


Esse tipo de autonomia na relação dos municípios com suas escolas funciona? Não há registro de problemas?


No começo, os diretores nos procuravam para perguntar: como devemos usar essa liberdade? Eles queriam conselhos, mas não queríamos dar conselhos. Vocês têm o poder, façam o que quiserem. Posso dizer que não foi fácil. Não é fácil entender que agora você pode fazer, pode decidir. Em 1984, retiramos de toda a legislação as regras para o tamanho das salas de aula. Foi uma coisa muito grande. Mas já estávamos trabalhando com escolas experimentais que estavam com esse tipo de liberdade. Fizemos relatórios sobre como as escolas estavam lidando com isso. E chegamos à conclusão de que elas deveriam tomar conta das necessidades de aprendizagem das crianças. Para isso, tinham de decidir entre grupos grandes ou pequenos. Agora, não precisamos mais de escolas experimentais. Eles entendem como usar a liberdade. No mesmo ano, demos liberdade aos municípios para que fizessem seu próprio currículo. Foi uma mudança grande. Também não foi fácil para eles. Como devemos fazer? Tivemos de oferecer treinamento para que soubessem o que exatamente deveriam fazer. E então deixamos nas mãos deles.


Há uma articulação muito forte entre todas as políticas educacionais…

É muito importante entender isso para entender o sistema educacional finlandês. Você não pode dizer que a formação de professores é a chave para que ele funcione. Há diversas políticas pequenas que construíram esse sistema. Você pode dizer que é como uma casa construída de cartas de baralho. Se você tirar uma carta, todas caem. Precisamos de muitas políticas ao mesmo tempo. Se não tivéssemos apoio para as crianças que têm problema de aprendizagem, não daria certo. Se não tivéssemos professores qualificados, também não.


Em sua opinião, quais são os maiores desafios da educação finlandesa?


A imigração certamente é um deles. Ainda não temos tantas nacionalidades diferentes dentro da Finlândia, mas a tendência é de que em 50 anos esse número aumente. Precisamos olhar para os outros países e ver como eles lidaram com a imigração. E como eles educaram esses imigrantes? Outro desafio tem relação com os municípios. Eles estão chegando ao limite da sua capacidade de financiar a educação. Temos um problema porque, como disse, temos de ter objetivos muito altos. Temos de ter recursos extras para os alunos com dificuldade de aprendizagem, por exemplo. Alguns municípios do interior não têm capacidade para fazer isso. É por isso que está acontecendo um movimento na Finlândia para que alguns municípios se juntem a outros.


Mas os municípios desejam isso?


O governo tem pedido aos municípios que encontrem uma maneira de fundir-se. Isso já está acontecendo com o ensino superior. Um exemplo é a Universidade Aalto, que está sendo criada a partir da junção da Escola de Economia de Helsinque, da Universidade de Arte e Design de Helsinki e da Universidade de Tecnologia de Helsinki. Outras universidades também tentam agregar os recursos. No ano passado, tínhamos mais de 400 municípios. No começo deste ano, o número já caiu para 380. Você pode ver o quão rápido isso já aconteceu. Os que fizeram isso já estão em condição econômica melhor. O governo ainda não precisou intervir diretamente. Algumas discussões aconteceram e eles entenderam que era necessário.

A jornalista
Beatriz Rey

viajou a Helsinque a convite da Embaixada da Finlândia no Brasil e do Ministério das Relações Exteriores da Finlândia

Autor

Beatriz Rey


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