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Entrevistas

A infância sob pressão

Jornalista e escritor britânico alerta sobre a ação de pais e escolas para que crianças obtenham sucesso, processo que pode acarretar a perda da criatividade, da autonomia e da própria infância

Publicado em 10/09/2011

por Redação revista Educação

A vida das crianças de classe média e alta do mundo inteiro não tem sido confortável. Com a pressão para se destacar entre os colegas, tirar notas altas, fazer diversas atividades extracurriculares, entrar nas melhores faculdades e conseguir os melhores empregos, os jovens hoje sofrem com o fenômeno que o jornalista britânico Carl Honoré descreve como "
hyperparenting

" ou como poderíamos traduzir, os "hiperpais", que encaram cada vez mais a vida dos filhos como um plano de metas, traçando estratégias e caminhos e lhes subtraindo o potencial para que se desenvolvam de forma independente. "A educação dos filhos não deve ser um cruzamento entre um esporte competitivo e o desenvolvimento de um produto.Não é um projeto, é uma viagem", observa Honoré, autor do livro
Sob pressão

(Record, 368 págs., R$ 49,90), lançado no Brasil neste ano.

Na obra, o britânico discute as consequências da alta pressão colocada pelas escolas, professores e pais nas crianças, que têm crescido com menos liberdade para fazer as próprias
escolhas – o que acaba sendo um tiro no pé, pois se tornam adultos pouco criativos e muito dependentes, além de perder a infância e a chance de trilhar os próprios caminhos. "As crianças precisam esforçar-se, lutar e se superar, mas isso não significa que a infância deva ser uma corrida. Elas precisam de tempo e espaço para explorar o mundo em seus próprios termos, e é o papel dos pais manter um cronograma familiar sob controle para que todos tenham tempo ocioso suficiente para descansar, refletir e simplesmente ficar junto", afirma.

Honoré decidiu escrever o livro depois de uma reunião na escola do filho, na qual foi informado pela professora de artes plásticas de que ele "tinha um dom". Dormiu com planos na cabeça de como desenvolver o talento do pequeno, contratar um tutor e torná-lo o próximo Picasso, quando ouviu: "Papai, eu não quero um tutor, eu só quero desenhar. Por que os adultos sempre têm de assumir tudo?". "Então comecei a pensar como é fácil se deixar levar e acabar sequestrando a vida dos filhos", conta.

Honoré mantém laços profundos com o Brasil: a inspiração para seguir a carreira de jornalista veio depois de um intercâmbio feito no país, quando trabalhou com crianças de rua em Fortaleza. "Ter qualquer criança vivendo nas ruas é algo ruim. Você julga uma sociedade pela forma como trata os seus fracos e desfavorecidos – e, nesse aspecto, o Brasil poderia ser muito melhor do que é." Na entrevista a seguir, à repórter
Carmen Guerreiro

, ele discorre sobre o papel da escola nesse cenário de alta pressão infantil.


As crianças sofrem apenas com a pressão de seus pais, ou também da escola?


A pressão vem de todos os lados. Os pais se sentem pressionados a dar aos seus filhos o melhor de tudo e fazer deles os melhores em tudo – essa pressão obviamente se transfere para as próprias crianças. Mas os sistemas escolares também adicionaram mais pressão nos últimos anos por tentar fazer descer goela abaixo mais aprendizado acadêmico mais cedo e mais rápido. Assim, vemos crianças sob pressão para aprender a ler e escrever cada vez mais jovens. E depois há a obsessão com os exames, para que as crianças sejam testadas mais e mais até que as notas se tornem mais importantes do que a própria aprendizagem. É uma visão do século 19, de educação que prepara as pessoas para trabalhar em fábricas ou em empregos estúpidos de escritório. O mundo mudou e precisamos de pessoas mais criativas e flexíveis. Precisamos de uma revolução em nossas escolas.



As escolas também estão sob pressão dos pais?


Toda a sociedade está mais preocupada com o sucesso acadêmico. Empresários e políticos exigem profissionais mais bem formados. Mas os pais também estão colocando muita pressão sobre as escolas. Estão desesperados para aumentar as chances de seus filhos na vida, por isso exigem um ambiente educacional e resultados perfeitos. É impressionante como os pais de todo o mundo agora vão às escolas para se queixar quando o seu filho não está no topo da classe. Conheço um casal que tirou seu filho de uma escola primária de Londres quando o professor se recusou a incluir a criança no programa de alunos superdotados. Os pais estavam convencidos de que seu filho era o próximo Einstein.



Mas as escolas não estão exigindo demais dos alunos e considerando o insucesso escolar como um fracasso da vida?


Sim. Em muitos países, agora, as escolas são ranqueadas como clubes de futebol e a competição para obter pontuações elevadas nos exames é feroz. Tenho visto isso com meus próprios filhos. No ano passado, meu filho passou meses só revisando para os exames vestibulares nacionais (ele tinha 11 anos e estava no 7º ano do ensino fundamental). Esses exames não afetam particularmente o seu futuro, mas são a única medida de sucesso para a escola – então as crianças estavam sob intensa pressão para se sair bem. Foi cansativo e chato para eles.


O que os professores podem fazer para mudar esse quadro?


Os professores estão na linha de frente na batalha contra os hiperpais. Podem reforçá-los ou combatê-los. A boa notícia é que, em todo o mundo, mais e mais sistemas de ensino e cada vez mais professores individualmente estão tomando medidas para reduzir a pressão. É por isso que algumas culturas do Extremo Oriente estão se afastando desse modelo ao cortar horas de aula, lição de casa e a ênfase na avaliação. E é por isso que as crianças na Finlândia, que começam a escola aos sete anos, fazem menos exames, passam menos horas em sala de aula e fazem menos lição de casa do que seus pares em outras partes do mundo, e o país se tornou o queridinho da educação internacional. Mesmo quando um professor está preso em um sistema de alta pressão pode tentar permitir que cada criança aprenda em seu próprio ritmo. Visitei recentemente a escola South Devon Steiner, no sudoeste da Inglaterra, e fiquei impressionado com sua insistência sobre a adaptação aos ritmos de aprendizagem de cada criança – e eles obtêm excelentes resultados. O modelo de educação de Reggio Emilia, na Itália, também é um exemplo brilhante de como desencadear a curiosidade das crianças e sua capacidade de aprender honrando os seus ritmos.



Esse fenômeno de pressão sobre as crianças difere entre países? Ele se aplica à realidade brasileira?


Vejo as mesmas pressões em países em desenvolvimento ou desenvolvidos. O mundo foi globalizado e as tendências sociais e culturais convergiram. Mas uma diferença é a escala: no mundo em desenvolvimento,
hyperparenting

ainda é amplamente encontrado apenas na pequena (mas influente) classe média.


Então os hiperpais existem apenas nas famílias mais ricas?


Principalmente, porque elas têm expectativas mais elevadas e dinheiro para persegui-las. Mas o fenômeno afeta a todos, pois os sistemas de ensino estão cada vez mais sob maior pressão. Quando transformamos a infância em uma corrida, minamos a solidariedade social. Quanto mais as pessoas se tornam obcecadas com o sucesso de seus próprios filhos, menos se preocupam com o bem-estar dos filhos de outras pessoas. E isso é um perigo real, especialmente em uma sociedade como a brasileira, já muito polarizada.

Quais são as consequências desse processo para as crianças?
Podem acabar sendo menos criativas. Elas não têm o tempo ou o espaço para explorar o mundo em seus próprios termos, para aprender a correr riscos e errar. Não aprendem a pensar por si mesmas, apenas fazem o que lhes é dito. Também não aprendem a olhar para dentro de si mesmas e descobrir quem são, porque estão ocupadas tentando ser o que nós queremos que elas sejam. Então nunca crescem. E não aprendem a preencher o tempo por conta própria, por isso ficam entediadas com mais facilidade. Toda essa pressão para ser perfeito e obter a maior nota também está elevando a taxa de estresse e problemas de saúde mental entre os jovens. Pressão demais também tem matado a simples alegria de ser criança – o que [o poeta inglês] William Blake (1757-1827) chamou "ver um mundo num grão de areia… segurar o infinito na palma da sua mão". Transformamos a infância em uma corrida e tiramos muito da sua magia.


Qual sua opinião sobre as escolas de tempo integral?


É bom que uma escola ofereça o acesso dos estudantes pobres a atividades que não poderiam pagar de outra forma. Mas você tem de ter certeza de que a agenda das crianças não vai longe demais. Dentro do horário escolar e, depois, é preciso ter certeza de que elas têm tempo livre para descansar, refletir e brincar como quiserem. Brincar é muito importante. A brincadeira livre, quando as crianças deixam a imaginação solta e se envolvem em um jogo sem adultos controlando tudo. Esse tipo de brincadeira é crucial para o desenvolvimento do cérebro, ensina habilidades sociais e estimula a criatividade – ambas essenciais para se destacar na escola.


A lição de casa é um elemento a  mais de pressão?


Lição de casa não é um mal em si mesmo, apenas se as crianças têm tanta lição que não há tempo suficiente para descansar ou brincar. Ou se o dever de casa não consegue exercitar a sua imaginação ou aprofundar seu aprendizado. A maioria das pesquisas sugere que a lição de casa tem valor limitado para crianças de até cerca de 11 anos de idade, então deve ser reduzida ao mínimo. Depois deve envolver a imaginação e obrigar a pensar sobre o que aprenderam na escola sob um novo prisma, ou colocar esse conhecimento em prática. Apenas fazê-los memorizar e repetir a informação é limitado.



Como vê o contraste entre crianças de rua e as de classe média alta no que diz respeito às pressões da vida?


Ambas estão sob imensa pressão. A criança que sofre com o
hyperparenting

está sob pressão para ser perfeita, para ser uma "superstar" em tudo o que faz. A criança de rua está sob pressão para se manter viva no mundo violento, onde sua vida recebe pouco valor. Mas todos sofrem com a pressão, porque uma família de classe média alta que está submetendo seus filhos ao
hyperparenting

vai gastar muito menos tempo e energia se preocupando com o bem-estar das crianças de rua. Vão ver essas crianças apenas como uma ameaça para a vida perfeita que estão tentando construir para seus filhos. Há uma ironia aqui. De certa forma, as crianças de rua têm mais liberdade do que crianças de classe média alta porque
hyperparenting

significa que todas as suas vidas estão programadas, monitoradas e controladas.



Como vê essa questão no Brasil?


As crianças de rua com quem trabalhei tinham muito tempo livre, nenhum adulto lhes dizia o que fazer. E elas eram resistentes, criativas e autossuficientes. Eram capazes de se virar sozinhas, podiam brincar, fazer sua própria diversão. Em vez de olhar para outras pessoas para pedir ajuda o tempo todo, resolviam seus problemas. São habilidades que o
hyperparenting

pode negar às crianças. Não estou sugerindo que pais ricos brasileiros mandem seus filhos mendigar nas ruas! A maioria das crianças de rua é o contrário do
hyperparenting

: precisam de mais amor e carinho, segurança, conforto material, educação formal e estrutura. Só que talvez as famílias ricas possam aprender algo sobre o valor do tempo livre e da independência a partir da vida das crianças pobres no Brasil.

Autor

Redação revista Educação


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