Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)
Publicado em 29/08/2019
O propósito de uma pedagogia é formar o caráter – a unidade entre pensamento, palavra e ação
Entre os dias 24 e 26 de maio deste ano, um educador português teve oportunidade de participar da Global Education Conference, que decorreu no sul da Índia. Coube-lhe a difícil missão de representar o Brasil e a América do Sul. Missão difícil, por ser estrangeiro e a educação do Brasil não ser para amadores.
Projetos de uma Educação com Base em Valores – era esse o tema central do congresso – foram apresentados por países como Estados Unidos, Israel, Laos, Austrália, Índia, Malásia, Costa Rica, Tailândia Reino Unido… e Brasil. O projeto apresentado pelo representante de Cingapura foi reflexo do excelente desempenho dessa ilha-Estado do sudeste asiático no Pisa (em que ocupa o primeiro lugar nas três disciplinas avaliadas: ciências, matemática e leitura). E outros projetos de idêntica valia foram dados a conhecer.
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O propósito de uma educação com base em valores é formar o caráter, isto é, a unidade entre pensamento, palavra e ação. Foi o que Freire repetiu à exaustão, apelando a que a intenção e o gesto do educador fossem coerentes. Inspirados na obra desse mestre, em meados da década de 1970, numa pequena escola do norte de Portugal, professores (freirianos, graças a Deus) definiram uma matriz axiológica e decidiram instituir práticas coerentes entre pensamento, palavra e ação.
Esses educadores desenvolveram uma práxis fundada no paradigma da aprendizagem. Num tempo em que o “protagonismo juvenil” ainda não fazia parte do discurso pedagógico, concretizaram, na prática, valores como a autonomia moral e intelectual do aluno. Esse projeto foi referência e inspiração de outros projetos.
Trinta anos decorridos, o iniciador desse projeto viajou pelo mundo, conheceu centenas de projetos, visitou milhares de escolas. Até que o Brasil lhe mostrou o quanto estava equivocado. Aprendeu que aprendizagem, para além de ser significativa, não está centrada no professor, nem no aluno, porque ninguém aprende sozinho. No Brasil, aprendeu que a aprendizagem está centrada na relação.
Em regiões de extrema pobreza e violência, identificou novos valores e encontrou caminhos de transição para o paradigma da comunicação. Aprendeu que escolas não são edifícios, que as escolas são pessoas e que as pessoas são os seus valores. Quando esses valores são transformados em princípios de ação, dão origem a projetos. E, porque os projetos humanos são coletivos, o estabelecimento de vínculos amorosos viabiliza e consolida o trabalho em equipe.
Hoje, esse educador colabora com escolas, que desenvolvem uma educação com base em novos valores. A viagem à Índia permitiu-lhe perceber que, apesar de o Brasil ocupar os últimos lugares do ranking mundial de educação em ciências, leitura e matemática, o Brasil é o berço de uma nova educação.
Os projetos apresentados no congresso tinham por referência valores caraterísticos do modelo educacional da primeira revolução industrial: individualismo, competição, egoísmo, exacerbada autoestima. O projeto representante do Brasil refletia cooperação, empatia, reconhecimento do outro, solidariedade.
E o representante do Brasil se interroga: por que vão os brasileiros visitar projetos dos Estados Unidos e do Japão? Por que copiam projetos da Finlândia? Talvez porque não saibam que há muitas finlândias dentro do Brasil.
Finlândias humanizadas.
*José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal).