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Raquel Alves

Filha do educador Rubem Alves, foi presidente do Instituto Rubem Alves. É escritora, palestrante e fundadora da Arquitetura do Sensível

Publicado em 28/09/2022

Tecnologia evolui, mas parte humana é deixada de lado

Se quisermos garantir uma verdadeira conexão com o futuro, precisamos ter profundidade na nossa relação conosco e não apenas com a tecnologia

Em tempos antigos, tirar uma fotografia era um evento. O fotógrafo precisava carregar uma câmera enorme que se apoiava sobre um tripé. Tudo pesado e desajeitado. A família deveria ficar estática, segurando o sorriso por um longo tempo enquanto o profissional ficava com a cabeça embaixo de um pano para poder enxergar a imagem que capturava. Talvez seja por isso que nas fotos dessa época as pessoas costumavam posar sérias, para não cansar as bochechas…

A geração seguinte dessas máquinas fotográficas trouxe câmeras ainda grandes, porém portáteis. Muitas vezes o profissional precisava de um auxiliar para segurar o flash para iluminar bem as imagens. A tecnologia continuou seu avanço e flashes potentes começaram a vir embutidos nos aparelhos. Quanto mais a ciência fotográfica avançou e os aparelhos aprimoraram, mais potentes ficaram. Começaram a apresentar possibilidades inimagináveis aos fotógrafos antigos, diminuíram gradativamente, tornando-se mais leves e mais práticas de manusear. Hoje em dia qualquer um pode tirar ótimas fotos com seu próprio celular. Portátil e versátil, deixando toda complicação no passado. Pobres fotógrafos, precisaram se reinventar completamente para que o dom não seja sufocado pelo avanço tecnológico que envolve a arte de congelar momentos. Quem bobear, fica obsoleto, paralisa e no tempo e é engolido pela dinâmica da vida.


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Não só os de fotografar, mas todos os aparelhos evoluíram da mesma forma: diminuíram, ficaram mais leves e fáceis de manusear. Entraram nas nossas casas e rotinas e junto com a dificuldade, muitos técnicos foram dispensados. A gente se vira mais e depende cada vez menos de outras pessoas. 

Acabamos por nos enferrujar na arte da convivência, na arte de perguntar o que não sabemos e na arte da autoanálise. 

A necessidade de aflorar nossas destrezas humanas diminuiu sensivelmente na medida em que a tecnologia passou a poder nos representar. Ficamos inseguros, ansiosos e estressados. A arte de criar e educar filhos e crianças, que antes era quase intuitiva, hoje é um desafio.

Creio que seja um engano acreditar que máquinas podem nos substituir. Elas podem sim nos auxiliar a fazer, criar e realizar mais. Esse deveria ser o papel correto das coisas: os humanos pensam, sentem, desejam e criam. As máquinas facilitam e ampliam as possibilidades para que possamos sonhar e concretizar com mais facilidade. 

Contudo, em algum momento, a parte humana foi deixada de lado, enquanto a tecnologia evoluiu. Por isso a OMS registra índices cada vez mais altos de patologias emocionais como depressão e ansiedade. Num descuido, sem que percebêssemos, ficamos frágeis… Não porque somos, mas porque outorgamos força e poder demais às máquinas. E o que era fácil, ficou difícil.

Quando eu era menina, meus pais para me criarem, me abraçaram, conversaram e brincaram comigo. Me protegeram e nunca vi livro algum sobre “como cuidar dos seus filhos” na estante lá de casa. Hoje, pais sentem a necessidade de ler e assistir palestras para absorver todo tipo de informação sobre a infância, para que eles se sintam seguros. 

Os adultos estão frágeis. Esqueceram-se sobre as respostas que encontramos dentro de nós. Ou, caso não as tenhamos, esquecemos como os que estão ao nosso lado podem nos ajudar.

Ser humano não é para ser tão difícil. É desafiador, isso sim! Mas homens são homens desde muito antes de Cristo. As tecnologias avançaram, a ciência, a medicina, a arte e a arquitetura também. A comunicação, nem se fale! Mas não importa o quanto o mundo mude e evolua, o homem será homem até os últimos dias, assim como tem sido desde os tempos dos faraós. Portanto, se quisermos garantir uma verdadeira conexão com o futuro, precisamos garantir segurança e profundidade na nossa relação conosco, com nossos sonhos, medos, afetos e potenciais. Precisamos nos resgatar, nos aproximar das nossas raízes humanas para o universo artificial que nos cerca não nos engolir.

E, a não ser que sejamos especialistas em informática, engenharias ou tecnologias, dificilmente saberemos como será nossa vida daqui 20 anos. O cenário do futuro é – e sempre será – uma caixinha de surpresas. Mas uma coisa é garantida: pessoas continuarão sentindo, amando, pensando e criando. Precisamos cuidar para que isso jamais seja esquecido… 

O que será que a educação tem a ver com isso? 

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