NOTÍCIA

Edição 262

A história de dois professores reconhecidos internacionalmente

A britânica de origem grega Andria Zafirakou e o queniano Peter Tabichi foram os dois últimos vencedores do Global Teacher Prize, considerado o Nobel da Educação

Publicado em 18/11/2019

por Eduardo Marini

nobel-da-educacao-peter Andria Zafirakou e Peter Tabichi durante a entrega do prêmio em Dubai (foto: Global Education & Skills Forum / Varkey Foundation / Flickr)

A Varkey Foundation é uma fundação, com sede em Londres, voltada para a melhoria da qualidade da educação infantil e básica no mundo. Busca isso por meio do preparo e da valorização dos professores. “Acreditamos ser possível oferecer qualidade educacional a todas as crianças. Por isso trabalhamos, ao lado de nossos parceiros, para desenvolver a capacidade e o status dos professores, a fim de garantir que o ensino seja aprimorado e os resultados melhorem”, defendem no texto de apresentação institucional.

Em 2014, a Varkey criou o Global Teacher Prize, um prêmio de US$ 1 milhão, anual e mundial, dado a um professor que realize “um trabalho impecável, com contribuição excepcional não só para a profissão de professor e os alunos, mas também para as comunidades ao seu redor”. Diante da excelência e amplitude dos concorrentes, e obviamente do valor da premiação, o Global Prize passou a ser considerado o “Nobel da Educação” que escolhe “os melhores professores do mundo”. A expressão “melhor do mundo” pode ser exagerada e impossível de ser aferida. Mas o trabalho dos dois últimos vencedores – a britânica de origem grega Andria Zafirakou e o queniano Peter Tabichi – se encaixa à perfeição no perfil traçado pelos organizadores.


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Tabichi, 36 anos, é frade franciscano e professor de ciên­cias da escola secundária Mixed Dia Keriko, em Pwani Village, Nakuru, uma região semiárida do Vale do Rift, na zona rural do Quênia. Se tratou o prêmio com as práticas franciscanas exercidas em seu país, certamente deve ter ficado com pouco ou nada do milhão de dólares conquistado, pois doa 80% do salário mensal de professor aos pobres de sua região. Na comunidade, tem fama de trabalhador incansável e crente incondicional na capacidade e no talento dos alunos.

O heroico educador, seus colegas de trabalho e todos os quase 900 alunos da Mixed Dia Keriko se viram com um único desktop, ligado a uma rede de internet fraca e intermitente. Ele dribla a limitação armazenando conteúdos retirados da internet, em cache, nos cibercafés que visita, para usar offline nas salas de aula. “Para ser um grande professor, você precisa ser criativo. Abraçar a tecnologia e as formas modernas de ensino. Fazer mais e falar menos”, defende ele em entrevista à Varkey Foundation.

A relação entre aluno e professor da escola é de 58 para um. A suprema maioria das crianças e adolescentes percorre no mínimo sete quilômetros para chegar às salas de aula – isso quando as chuvas não transformam os caminhos normalmente toscos em lamaçais intransitáveis, algo comum.

Talvez seja necessário um milagre, e não apenas a generosidade de um franciscano, para alterar o cenário e a realidade do lugar, marcados pela seca e a fome, quase sempre em ataques simultâneos. Noventa e cinco por cento dos estudantes são pobres, a maioria sem comida em casa de forma regular. Um a cada três é órfão ou tem apenas pai ou mãe. Gravidez precoce, abandono da escola, uso de drogas, casamentos entre adolescentes e até suicídio são problemas cotidianos.

Ao lado de quatro colegas, Tabachi costuma visitar famílias de estudantes nos finais de semana. Nessas jornadas, reforçam os alunos de baixo rendimento com aulas individuais de matemática e ciências. O frade educador ensina também prática de cultivo de alimentos resistentes ao clima. “Insegurança alimentar é um grande problema na nossa região. Ensinar novos jeitos de plantar é questão de vida ou morte”, define.

Tabachi criou um grupo de talentos e ampliou o clube de ciências da escola para apoiar a criação de projetos de pesquisa pelos alunos. Como resultado, 60% dos trabalhos produzidos por essas equipes são considerados aptos para disputas nacionais. Na Feira de Ciências e Engenharia do Quênia, em 2018, os meninos e meninas fizeram sucesso com um invento para que cegos e surdos possam dimensionar objetos. A escola foi considerada a melhor pública do Quênia no encontro e a equipe de ciências matemáticas qualificou-se para a Feira Internacional de Ciências e Engenharia Intel 2019, no Arizona, Estados Unidos. Além disso, ganharam um prêmio da Royal Society of Chemistry com um projeto que usa plantas da região da escola para gerar eletricidade.

A capacidade de mobilização de Tabachi e de seus parceiros diretos gerou resultados em um período de tempo relativamente curto. O índice de matrícula na Mixed Dia Keriko dobrou em três anos. Os casos de indisciplina monitorados pela gestão da escola baixaram de 30 para apenas três por semana. Em 2017, dos 59 alunos da escola que tentaram entrar na universidade, 16 conseguiram vaga. Em 2018, o número aumentou para 26. Outro sinal positivo foi o aumento do desempenho das meninas da escola, que agora superam os meninos em todos os testes internos e do governo.

Uma revolução particular

A professora de artes e têxteis Andria Zafirakou não caminha exatamente sobre as nuvens do paraíso, mas não é difícil notar que seu palco de atuação é envolvido numa realidade mais favorável do que a enfrentada por Tabachi. Mesmo assim, seu mérito não é menor. Ela trabalha na Alperton Community School, escola secundária comunitária no centro de Brent, na região metropolitana de Londres. Brent está em uma das regiões de maior diversidade étnica do Reino Unido. A exemplo de quase todas as escolas da cidade, na Alperton são falados dezenas de idiomas e dialetos, por causa da forte presença de famílias de imigrantes na região. Muitas delas dividem casa com mais com outros cinco ou seis grupos familiares. A violência promovida por gangues faz parte da rotina.

A revolução particular liderada por Andria, integrante da equipe de liderança sênior de contato com alunos e familiares da Alperton, começou com uma reformulação geral dos currículos da escola, para adaptá-los à realidade e anseios dos estudantes. Entre outros feitos, deu suporte a uma professora de música na montagem de um coral escolar em somali e idealizou modelos e calendários alternativos para permitir prática de esporte por meninas de famílias religiosas fundamentalistas sem ofender ou entrar em choque com os valores conservadores dos pais. Um dos times femininos da Alperton, o de críquete, conquistou a Copa McKenzie, importante torneio do país entre jovens adeptos da modalidade. Entre as estratégias usadas para conseguir furar o bloqueio imposto por alunos marginalizados e seus familiares foi a de aprender o básico de várias das 35 línguas da população de alunos da escola.

O esforço não foi em vão. Das baixíssimas pontuações registradas até 2012 nas avaliações nacionais inglesas, a Alperton saltou para o seleto grupo de 5% das melhores escolas comunitárias em qualificações e credenciamentos. O estudo de situações da vida real nos programas de matemática, outro projeto desenvolvido com o auxílio de Andria, contribuiu para a Alperton vencer a Tes Schools Awards, um dos maiores concursos escolares do país, em 2017, ano anterior à conquista do “Nobel” pela professora. “Não há outro trabalho como o de professor. Em que outra profissão você pode ser altruísta e completamente dedicado a criar oportunidades certas para outros alcançarem? Estar em uma sala de aula e ver um aluno ter uma ideia e transformá-la em um resultado formidável é extremamente satisfatório e me preenche.”

O site do prêmio informa: “Global Teacher Prize in now open”. Tradução: inscrições abertas. Que educadores brasileiros aceitem o desafio e registrem seus projetos e trajetórias. Muitos dos que lutam para vencer os desafios por aqui certamente têm condições de ganhar esse “Nobel”.

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Eduardo Marini


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