NOTÍCIA

Edição 252

Membro do Conselho Nacional de Educação critica encaminhamento da BNCC

Cesar Callegari é o principal crítico do encaminhamento dado à BNCC pelo atual governo. Em entrevista ele explica seus motivos

Publicado em 28/09/2018

por Redacao

cesar callegari “As forças que ocupam hoje o MEC dão todos os sinais de que pretendem forçar estados e municípios a construir um currículo único num cronograma apertado e injustificado” (foto: IEA/USP site)

BNCC

“As forças que ocupam hoje o MEC dão todos os sinais de que pretendem forçar estados e municípios a construir um currículo único num cronograma apertado e injustificado” (foto: IEA/USP site)

O sociólogo e escritor paulistano Cesar Callegari é especialista em gestão de políticas, programas e instituições públicas nas áreas de educação, cultura, ciência e tecnologia. No último dia 29 de junho, deixou a presidência da Comissão Bicameral encarregada da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Conselho Nacional de Educação (CNE), do qual permanece como conselheiro. Nas cinco laudas da carta em que comunica sua saída, fez críticas ao andamento da implantação da BNCC nos ensinos infantil e fundamental e, sobretudo, à proposta da Base para o médio, ainda em tramitação no CNE. Nesta entrevista a Educação, Callegari, que foi duas vezes deputado estadual em São Paulo pelo PSB, secretário municipal de Educação da prefeitura de São Paulo na gestão Fernando Haddad (PT) e de Educação Básica do MEC, detalha suas posições em relação aos trabalhos atuais realizados pelo país com a BNCC.
A BNCC para os ensinos infantil e médio está bem definida?
O conteúdo do texto da BNCC do infantil e fundamental foi definido para garantir igualdade de direitos de aprendizado para alunos de todo o país. Eles estão lá, muito bem detalhados, ano a ano, disciplina por disciplina, conteúdo por conteúdo, compromisso por compromisso. São mais de 400 páginas de documento. Houve, inclusive, críticas de alguns setores ao nível de detalhamento. Mas, desde o início, ficou estabelecido que esse conjunto de referências não pode — e nem deve — ser considerado um modelo obrigatório, e sim um conjunto de referências para que cada rede, sistema ou mesmo escola defina seus currículos com o norte da garantia dos direitos mínimos de aprendizado. As bases do infantil e fundamental precisam ser apropriadas de forma crítica por professores, escolas e redes, para garantir a pluralidade criativa e de formação de cidadania, criando modelos de transmissão do conteúdo convenientes a cada realidade nas escolas e redes de ensino.
Isso ocorre?
As forças que ocupam hoje o Ministério da Educação dão todos os sinais de que pretendem atropelar a terceira versão do documento, forçando estados e municípios, de cima para baixo, a construir um currículo único num cronograma apertado e injustificado. Estão impondo, de forma açodada, um calendário incongruente com o processo de elaboração curricular. Esse açodamento está sufocando os processos de discussão, sugestão e criatividade de educadores nas pontas, gerando um resultado reducionista da BNCC. Uma prática desastrosa, mas infelizmente aceita por grande parte dos secretários estaduais de Educação neste momento de final de mandatos.
Como essa prática é executada?
O MEC acenou com verbas para os estados contratarem técnicos destinados à elaboração dos currículos. As escolas particulares, que são tradicionais e têm o que oferecer, estão distantes do processo. Essa realidade cria um simulacro de implantação e produz currículos apressados, engessados, acríticos e sem criatividade, que nada têm a ver com o que foi definido na elaboração da Base.
Oferecer recursos para contratar técnicos qualificados que orientem e auxiliem educadores e gestores na definição dos caminhos não é positivo?
Até seria, se a ordem de prioridades não estivesse invertida. Temos 2,2 milhões de professores nos ensinos básico e fundamental no país. Diria que a suprema maioria, quase a totalidade, sobretudo nas redes públicas estaduais e municipais, sequer conhece a BNCC em um patamar mínimo que permita iniciar o processo de implantação da BNCC em sua terceira versão. Então, penso que os esforços e investimentos deveriam começar pelo verdadeiro início, ou seja, pela formação mínima dos professores – eu diria até de apresentação – ligados à BNCC e a seus reais objetivos.
Como assim?
Veja bem: se a maior parte desconhece praticamente tudo – e muitos tudo – da BNCC, fica difícil elaborar currículos identificados com as demandas locais e regionais. E também escolher o material didático adequado para os próximos anos letivos. Os milhões de livros propostos para 2019, preparados de acordo com a terceira versão, estão aí, à disposição pelo MEC. A pergunta singela que deve ser feita é a seguinte: como os educadores poderão fazer escolhas conscientes, seguras, desse material, para seus alunos com esse nível de desconhecimento? Impossível. São só alguns exemplos. Há vários outros.
E quanto à BNCC do ensino médio, ainda em tramitação no CNE?
Neste ponto o cenário é, infelizmente, um pouco pior. Considero a Lei 13.415 e a BNCC do ensino médio do MEC excludentes, reducionistas e com potencial claro para agravar as desigualdades educacionais. É inegável que o ensino médio necessita passar por uma reforma. Afinal de contas, 93% dos alunos se formam sem saber o mínimo aceitável de matemática e 74% saem na mesma situação em relação à língua portuguesa. Mas o que se propõe agora não é uma garantia de boa educação a todos esses jovens, e sim um rebaixamento a um mínimo supostamente possível de ser feito para todos, diminuindo a importância de História, Geografia, Filosofia, enfim, das outras cadeiras além de Português e Matemática, que costumam ser mais cobradas em testes internacionais que trazem imagem política maquiada em caso de melhora nos índices, ainda que a educação geral não tenha mudado. Na prática, isso vai oferecer um ensino pobre aos pobres.
Melhorar o desempenho em Português e Matemática não é igualmente importante? Explique melhor.
Como disse na carta, a lei do ensino médio proposta pelo MEC está na contramão de tudo o que se pensou. Ela determina que os direitos ao aprendizado serão encolhidos e limitados ao que couber, no máximo, em 1.800 horas, ou cerca de 60% da carga horária atual das escolas. Minha questão é: o que será deixado de lado de Português, Filosofia, Biologia, História, Geografia, Física e outras cadeiras importantes? O que será retirado dos direitos e obrigações e jogados na vala comum do indefinido, a depender do esforço e da boa vontade de um ou outro educador? Além disso, uma Base reduzida pode gerar, automaticamente, também uma redução nos limites de grandes avaliações nacionais, como o Enem e outros exames. O desafio é elevar a qualidade da educação, e não baixar o sarrafo a um ponto em que todos possam passar sem garantia de boa formação.
O senhor não está sendo demasiadamente pessimista?
Tenho motivos para crer que não. Português e Matemática são disciplinas fundamentais, mas sozinhas não resolvem o problema. Nesta BNCC do médio, os conteúdos das outras cadeiras aparecem diluídos no que se batizou de áreas de conhecimento, sem uma definição concreta do que precisa ser garantido em cada uma delas. Neste modelo de abandono dos domínios conceituais das outras disciplinas, a chance de se formar jovens sem qualificação, manipuláveis, sem capacidade crítica e poder criativo, fadados apenas às tarefas mais elementares e, como consequência, mal remunerados, é enorme, quase total. Não creio ser este o desejo da sociedade brasileira. Por isso, digo na carta que é indispensável detalhar e explicitar esses elementos, nas outras disciplinas, para além das generalidades e platitudes contidas na proposta de Base do MEC.
O Ensino a Distância (EAD) parece um instrumento útil em um país com as dimensões do Brasil. Além disso, a incorporação da tecnologia à vida moderna parece algo inevitável. O senhor é contra o EAD?
Claro que não. Há situações especiais em que o EAD exerce – e exercerá – papel importante para viabilizar a chegada da educação a alunos e turmas isolados por questões geográficas, econômicas, sociais ou pela soma de todos esses fatores. O que questiono é uma abertura indiscriminada, não dimensionada em seus efeitos, do ensino a distância na realidade atual do ensino médio, um cenário permitido pela proposta atual. A escola é um ponto de convergência social insubstituível. Em vários pontos do país ela, inclusive, ajuda a resolver questões importantes de alunos e familiares para além da educação. O ambiente escolar é imbatível e deverá ser sempre incentivado. No caso da formação de crianças e jovens, novas tecnologias devem ser usadas a favor ou como instrumento na impossibilidade de se estabelecer o ensino na escola física, e jamais em substituição a ela. É assim no mundo inteiro onde a educação funciona – e continuará a ser. Os pacotes de EAD não poderão nunca substituir professores e acabar com o uso de laboratórios e bibliotecas. Afirmo também na carta que não será diante da tela de um computador, sozinho, que o jovem brasileiro desenvolverá valores como respeito à diversidade, trabalho em colaboração, apreço à democracia, respeito ao semelhante, liberdade e solidariedade, entre outros.
O que que deve ser feito com a Lei e a BNCC do ensino médio?
Em relação à lei, penso que ela deve ser revogada e discutida em novas bases a partir de 2019. Quanto à proposta do BNCC do médio, precisa ser refeita. O ideal é ser rejeitada e devolvida ao seu início, pois seus pontos inviáveis não podem ser sanados no ambiente do Conselho Nacional de Educação.
Leia também:
http://www.revistaeducacao.com.br/bncc-desafio/

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