NOTÍCIA

Edição 250

Autor

Redacao

Publicado em 03/07/2018

Suicídio, depressão e outras doenças da mente são coisas diferentes, mas que andam tragicamente juntas

Psiquiatras e estudiosos defendem que, salvo casos específicos, praticamente todos os suicídios e tentativas são resultados de distúrbios psicológicos ou psiquiátricos sem tratamento concluído, iniciado ou mesmo diagnosticado

Suicídio, depressão e o restante das doenças da mente são três coisas diferentes – mas que andam juntas, tragicamente juntas, e muitas vezes até se confundem, como raras combinações no mundo de hoje. Psiquiatras e estudiosos do tema defendem que, salvo casos específicos, como a decisão de um paciente terminal pela morte assistida, praticamente todos os suicídios e tentativas são resultados de distúrbios psicológicos ou psiquiátricos sem tratamento concluído, iniciado ou mesmo diagnosticado.

Um estudo incluído na cartilha Suicídio – Informando para Viver, organizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), mostra que depressão e outras doenças psiquiátricas não foram identificadas em apenas 3,2% da ampla amostra. Entre os casos estudados, 35,8% tinham transtorno de humor, 22,4% consumiam álcool ou outra substância psicoativa, 11,6% sofriam de transtorno de personalidade, 10,6% de esquizofrenia, 6,1% de transtorno de ansiedade e 10,3% eram vítimas de ao menos um de outros problemas relacionados à mente e ao equilíbrio psicológico. “É quase impossível encontrar alguém que pense em suicídio sem estar com a mente atormentada por algum motivo”, explica Alexandrina Meleiro, professora do Instituto de Psiquiatria da USP, integrante da ABP e uma das pioneiras no estudo sobre suicídio no país. “Isso é especialmente forte entre jovens e adolescentes por causa do período de formação”, acrescenta a pesquisadora.

Na suprema maioria dos casos, a depressão e os demais problemas psiquiátricos reduzem drasticamente, ou mesmo anulam, a capacidade da pessoa de perceber o que ao outro pareceria elementar: a meta é encontrar uma forma de interromper o sofrimento, e não a vida. Calcula-se que entre 6% e 8% da população mundial terá ao menos um episódio de depressão, de algum grau, a cada ano. Uma a cada quatro mulheres e entre 10% e 12% dos homens do mundo passarão por um episódio depressivo, no mínimo, durante a vida, atesta a ABP. Crônica e recorrente, sobretudo quando não tratada, a depressão mal cuidada e resolvida é importante fonte de incapacidade – a segunda da atualidade, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), atrás apenas das doenças cardiovasculares. Há quem aposte que não está longe o dia em que ela será a primeira.

Por tudo isso, a depressão é, hoje, em números absolutos, a doença mental mais diagnosticada entre suicidas e associada ao suicídio. Em vários países, reforça a ABP, o combate a ela faz parte das ações de prevenção do suicídio.
Seus sintomas mais comuns são: tristeza profunda todos os dias, na maior parte do tempo; desinteresse por atividades rotineiras; perda do apetite e de peso (ou o contrário); insônia (ou o contrário); necessidade ampliada de dormir; falta de concentração; dificuldade de memória e concentração; sentimento amplificado e recorrente de cansaço, fraqueza, inutilidade, culpa, desesperança e irritação; e, por fim, pensamentos frequentes de morte e suicídio. É necessário destacar que a depressão é uma manifestação importante da combinação dessas características, capaz de gerar tristeza crônica, profunda, insistente e resistente. Um mundo “cinza”, que não deve ser confundido com os episódios de contrariedade comuns à vida de todo ser humano. E muito menos analisada como “frescura”.

Ranking de transtornos

suicídio

“É quase impossível encontrar alguém que pense em suicídio sem estar com a mente atormentada por algum motivo”, afirma Alexandrina Meleiro (Crédito: Shutterstock)

Outro distúrbio importante é o Transtorno Bipolar (TB). Oficialmente, o problema atinge 1,5% da população, mas estudos recentes insinuam que a incidência do chamado espectro bipolar pode ser bem maior. A pessoa com TB alterna períodos de depressão e euforia, ou mania. A oscilação, em seus diversos níveis de intensidade, gera muito sofrimento para os doentes e seus familiares. Pelos dados da OMS, foi a sexta causa de incapacitação no mundo nos anos 1990. Não é raro o problema estar associado à dependência de álcool e de drogas, e também a doenças clínicas como obesidade e problemas cardiovasculares e pulmonares. Ao lado da depressão, é o distúrbio psiquiátrico mais associado ao comportamento suicida: estima-se que até 50% dos doentes tentam o suicídio ao menos uma vez em suas vidas – e 15% de forma efetiva. O risco é maior nas fases depressivas ou nos episódios mistos, de combinação rápida de sintomas depressivos e maníacos.

Os segundos colocados nesse ranking de transtornos mentais associados a atos suicidas, atrás apenas dos ligados ao humor (depressão e TB), são os relacionados ao uso excessivo de álcool e outras substâncias. A vida de cinco a dez a cada cem dependentes de álcool recebe ponto final com um suicídio. O uso intensivo de drogas e outras substâncias aumenta o risco das tentativas, sobretudo entre jovens e adolescentes. Detalhe importante: muitos suicidas se drogam ou bebem em excesso momentos antes de tomar a atitude, mesmo sem serem dependentes de álcool ou droga. Isso é outra questão.

No universo dos adolescentes e jovens, os casos de esquizofrenia também merecem atenção especial em sua relação com o suicídio. Essa doença crônica, presente em 1% das pessoas e ativa em todas as sociedades e regiões do mundo, costuma surgir ainda na segunda década de vida das moças e rapazes. Costuma levar mais de dez por cento de suas vítimas ao suicídio ou, no mínimo, às tentativas, o que torna importante a sua rápida identificação para tratamento. Além disso, a doença reduz a curva de longevidade entre oito e 16 anos, nos casos de mortes por causas naturais, e multiplica por dez o risco de morte por suicídio. Metade dos esquizofrênicos pode atentar contra a vida no curso da doença, sobretudo nos anos iniciais dela.

Outros transtornos, os de personalidade (TP), afetam de dez a quinze por cento da população geral em algum momento. Muitos episódios não evoluem para situações graves, mas nos casos em que isso ocorre, e requer tratamento, podem aumentar o risco de suicídio em 12 vezes, para homens, e em 20 vezes para mulheres, sobretudo nos casos de distúrbios de personalidade antissocial e Borderline (limítrofe). E gerar associações com outros transtornos psiquiátricos, como abuso de drogas e álcool e transtorno de humor e abuso. As vítimas de TP são marcadas por alterações na maneira de sentir, perceber a si e ao mundo e de se relacionar.
Depressão, doenças psiquiátricas e suicídio são, como se percebe, “companheiros inseparáveis” neste universo em que o sentimento de solidão costuma ser constante entre as vítimas. Todos esses problemas – e, por consequência direta, o suicídio – são combatidos com atenção, carinho, ausência de preconceito, respeito à dor alheia e, acima de tudo, tratamento médico, psiquiátrico e terapêutico.

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