NOTÍCIA

Edição 241

Colégios adotam processos estruturados na contratação de professores

Reduzir o turnover – e os custos dele decorrentes – e garantir uma maior identificação do professor com a escola são algumas das vantagens

Publicado em 21/08/2017

por Rubem Barros

_MOR9721 Foto: Gustavo Morita

Colégios adotam processos estruturados na contratação de professores

Foto: Gustavo Morita

Se o professor continua sendo a principal variá­vel para a boa aprendizagem e para os processos educativos vistos de forma mais ampla, como atestam de forma inequívoca diversos estudos internacionais, não deixa de ser verdade também que muitos outros fatores à sua volta têm passado por mudanças significativas. Esses fatores estão ligados a dimensões diversas, nos planos educacional, institucional e conjuntural. Dizem respeito tanto a questões mais estruturais (e estruturantes), como a profissionalização da gestão escolar em diversos níveis, sobretudo nas escolas privadas; às vertiginosas mudanças provocadas pelos novos meios de comunicação digitais; às não menos frenéticas mudanças de padrão sociocomportamental a que assistimos nas duas últimas décadas; à prolongada recessão econômica que tem afetado o conjunto da sociedade brasileira, para ficar em algumas questões de maior relevância.

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Esse conjunto de mudanças tem refletido de forma cada vez mais consistente não só naquilo que se exige dos professores, como também nos processos de seleção a que eles são submetidos para contratação no âmbito das escolas privadas. No universo das públicas, por mais que a formação e a atuação do professor estejam em pauta, o disco riscado que fala sempre em valorização docente parece não querer nunca se transformar em música. Exemplo disso é o documento para consulta pública que traz os “Referenciais para o Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente”, que, salvo revolução não comunicada, jaz adormecido no portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep, depois de gestado em 2009.
Nesse cenário, é no âmbito das escolas particulares – à exceção de uma ou outra rede pública – que têm acontecido as principais transformações tanto no que se requer dos professores, como na forma de contratá-los.
Processos estruturados
Uma das mudanças centrais é a instituição de processos seletivos estruturados, às vezes realizados com o auxílio de consultorias externas, outras por meio da atuação de um departamento de Recursos Humanos interno ou de instituições associadas. Entre os principais objetivos estão a redução do turnover (a substituição frequente de profissionais), a liberação das áreas pedagógicas para questões menos administrativas (ainda que a avaliação final para contratação, mais técnica, sempre passe pela coordenação ou direção pedagógica) e a identificação de docentes com perfil próximo ao projeto pedagógico e valores da escola, aptos a lidar com situações-problema.
Sônia Colombo, da consultoria educacional Humus, atua no apoio à seleção de profissionais há 20 anos, mas ressalta que o setor passou por fases distintas. “No início, era um processo mais intuitivo, com o profissional normalmente indicado por conhecidos, sendo escolhido pela direção da escola. Depois, houve um estágio em que a escolha era mais centrada na experiência curricular. Agora, evoluímos para a análise das competências, habilidades e atitudes que a escola deseja do profissional a ser contratado”, resume.
Hoje, dispondo de meios informatizados, os serviços prestados em geral começam por uma depuração da oferta. “Fazemos o trabalho mais pesado e que toma mais tempo, que é divulgar a vaga, analisar o currículo. Sentamos com a escola e desenhamos juntos um processo, que varia dentro do que cada uma quer”, explica a psicóloga Ana Lúcia Naletto, do Centro de Psicologia Maiêutica.
Após o filtro para escolher aqueles que melhor se enquadram no perfil pedido pela escola, pode ser feita uma dinâmica, uma pré-entrevista ou prova. Os melhores, então, são encaminhados para a escola.
“Normalmente, é feita uma aula-teste pela própria escola, que faz melhor essa análise mais técnica, pedagógica. O nosso olhar é para a captação e seleção. Se requisitado, um profissional nosso acompanha a aula, para avaliar algumas rea­ções”, diz Ana Lúcia. A consultoria oferece, ainda, como serviço adicional ao processo, pago à parte, um perfil psicológico individual, que permite enxergar aspectos como liderança ou se é mais apto a trabalhar com crianças maiores ou menores, por exemplo.
A consultoria tem um sistema de gerenciamento de currículos, em que os educadores se credenciam gratuitamente, em qualquer época do ano. Os professores contratados nos processos da empresa deixam de figurar como disponíveis. Aqueles não selecionados, no entanto, podem ter aconselhamento de carreira, sem vínculo com processos seletivos.
O trâmite da Humus é parecido. Quando uma escola abre uma vaga, verifica-se quais são as competências requeridas e há uma conversa com o gestor direto do futuro contratado. A consultoria faz análise de currículo, testes psicológicos, de inteligência e conhecimento. “Elaboramos um laudo psicológico com a correlação entre as competências requeridas e o candidato, apresentando as convergências e divergências entre um e outro”, resume Sônia. À escola caberá a análise técnica final, com entrevista e/ou aula-teste.
Já no caso da Spaço In, também há 20 anos no mercado, há um módulo gratuito para as escolas, que compreende apenas a indicação dos currículos. Isso porque a empresa tem como cliente o professor, a quem são oferecidos os serviços de gestão de carreira. Assim, o currículo do docente continuará a circular mesmo que ele já esteja empregado, para que possa atuar em dois ou três turnos, ou conseguir uma colocação melhor. A empresa oferece ao profissional serviços de preparação para entrevista, para que descrevam bem suas práticas, de férias e secretariado (para que sejam localizados em qualquer lugar).
Mas há também um serviço personalizado – e pago – para escolas. Ele inclui um perfil da vaga, do líder e etapas como prova situacional (para medir competências específicas, por exemplo), entrevista individual e teste de personalidade, relata a sócia Ana Paula de Souza. Para ela, uma das chaves do processo é a entrevista. “Tem de funcionar como um funil, para ver as reações. Muita gente é preparada para falar o que você quer ouvir. É preciso ir desconstruindo essa coisa pré-fabricada, para tentar chegar ao real”, diz.
Problemas e conselhos
Se a crise que se instalou no Brasil a partir de 2014 fez com que as escolas particulares perdessem alunos e, com isso, fossem desencorajadas a investir em profissionalização de processos – ainda que isso muitas vezes acabe por ter um custo ainda maior – há outros problemas ligados a uma visão amadora do ofício.
A rotatividade acaba sendo alta em função de processos de contratação pouco específicos, com vagas sem descrição de perfil requerido. Ou expectativas irrealistas. “Às vezes, os perfis são fantasiosos, acham que vão encontrar pessoas prontas”, diz Ana Lúcia, da Maiêutica.
Esther Carvalho, diretora-geral do Colégio Rio Branco, com duas unidades e 280 professores, concorda com ela. “É um lado que toda a instituição deve entender: hoje, não sai da universidade o professor de que a escola precisa. O desenvolvimento acontece na escola”, ressalta.
Outros problemas, segundo Ana Paula, são a falta de plano de carreira, de avaliação de desempenho e consequente plano de desenvolvimento do profissional, num olhar mais de longo prazo. No curto prazo, há a aceitação de professores que, por necessidade, dizem aceitar tudo num primeiro momento, o que não se confirma logo adiante. E o início tardio dos processos de seleção, muitas vezes com o intuito de só começar a pagar o docente às vésperas do início das aulas.
“O ideal é começar o processo cedo, em agosto ou setembro. Isso ajuda o planejamento e reduz o turnover. Professor bom a gente só consegue convidar para o processo com antecedência”, alerta a consultora da Maiêutica.
No entanto, é preciso que as escolas, ao alongar os processos, não façam exigências descabidas aos docentes, como acumular faltas no trabalho atual. “É preciso ser justo e ético com as duas partes”, alerta Ana Paula.
Outra precaução é a confidencialidade. “Isso é fundamental num processo seletivo. Esse é um dos principais motivos pelos quais procuram uma empresa especializada, pois não há vazamento. Quando a vaga é confidencial, só abrimos o nome da escola numa etapa bem final”, enfatiza Sônia Colombo, da Humus. Obviamente, o candidato sabe a região e a cultura da escola, mas não o nome.
Soma de competências
Há escolas, entretanto, que acabam se beneficiando de suas vinculações institucionais. É o caso do Colégio Rio Branco, cuja mantenedora é a Fundação dos Rotarianos de São Paulo. Foi por meio do RH da Fundação que o colégio implantou, há cerca de cinco anos, o seu processo estruturado. A Fundação provê o filtro inicial: levantamento de currículos, entrevista, redação, dinâmicas psicológicas. Depois disso, os candidatos indicados são submetidos na escola a aulas-teste junto à direção, coordenação pedagógica e coordenação de área.
“A aula-teste permite ver especificidades, como pessoas academicamente bem qualificadas, mas com dificuldades na hora de apresentar o que sabem”, diz a diretora Esther Carvalho. Para ela, o trabalho com o RH apura o olhar sobre os candidatos, permitindo unir o olhar mais técnico dos educadores ao perfil pessoal delineado pela área da Fundação. “As escolas demoraram muito para profissionalizar esses processos, tanto com os professores como com as áreas de apoio. E essa soma de competências é fundamental”, avalia.
O Rio Branco mantém, além dos professores titulares das áreas, um segundo grupo, que acaba servindo como uma espécie de laboratório docente. São os professores do Núcleo de Apoio, responsáveis por atividades paralelas, de apoio, ou por disciplinas eletivas e pesquisa. Têm perfil distinto: são mais jovens (entre 25 e 30 anos), têm boa formação acadêmica (com pós-graduação ou cursando). “Fazem um pouco de tudo, são como médicos em formação. São potenciais substitutos para o caso de troca de professores titulares”, explica a diretora. A vantagem é que vão sendo testados e são formados de acordo com o projeto da escola.
Inovação
Uma preocupação da instituição, assim como de muitas outras, é com a questão da inovação e com o uso de metodologias ativas. Nem sempre os mais jovens são os mais abertos à sua utilização.
“Há jovens com paradigmas tradicionais instaurados, e profissionais seniores com muita abertura. O que muda é a disponibilidade. A questão não é apenas utilizar dispositivos móveis. É preciso ter novas práticas. Usá-los para fazer o que já era feito é só gastar mais dinheiro”, defende Esther.
Para ser efetivo nesse sentido, é preciso estar disposto a compartilhar suas práticas e a ser colaborativo, tanto com seus pares como com os alunos. Esse é um dos aspectos também do perfil profissional desejado pelo Grupo SEB, que congrega várias bandeiras escolares Brasil afora.
Além da sempre mencionada excelência acadêmica, o grupo requer também flexibilidade para inovar, compromisso com um ambiente saudável e foco no aprendizado do aluno, do mais desenvolvido àquele com dificuldades.
“Cada vez mais, temos visto novos formatos de sala de aula, e o professor precisa estar disposto a incorporar isso. O adulto jovem e aquele de meia-idade têm se mostrado abertos. Também vemos com bons olhos aqueles que têm conseguido trabalhar com habilidades socioemocionais”, diz a diretora executiva Thamila Zaher.
Uma forma moldada no grupo para encontrar ou formar melhor os seus profissionais foi criar uma matriz de competências própria, em sintonia com seus valores. A matriz tem seis eixos, indo do mais básico (compartilhado por todos os funcionários) até outros para os mais graduados, em escala.
O processo foi implementado em 2013, pela Diretoria de Gente, que cuida dos processos seletivos. Até então, a contratação era mais intuitiva. Hoje, apesar de as indicações ainda serem levadas em conta, exige-se adequação à oferta. E há acompanhamento mais próximo dos contratados. “Os coordenadores têm feito esse acompanhamento, dando retorno contínuo sobre o que tem de melhorar. Buscamos uma atuação conjunta para engajar mais os professores”, diz Thamila.
Mudança curricular
Há casos em que não só a lógica dos processos seletivos tem mudado, mas sim o que embasa a atuação dos professores. É o caso da Escola Lourenço Castanho, também na capital paulista. Há cinco anos, a escola elaborou um documento curricular pautado no desenvolvimento de competências e no trabalho com projetos. Esse é o norteador dos processos de avaliação e seleção docente.
Além disso, há um “projeto integrador de série”, interdisciplinar, que tem como origem a formulação de uma pergunta, por parte dos professores, que serve como disparador para o trabalho com os alunos ao longo do ano.
Assim, há três etapas distintas depois da seleção inicial de currículos. A primeira é uma entrevista em grupo, com três momentos: uma conversa coletiva em que os presentes expõem suas ideias sobre educação; uma exposição das competências exigidas pela escola e, por fim, um questionário individual em que o candidato recebe 10 questões, das quais sete devem ser respondidas, algumas delas obrigatórias.
Na segunda etapa, há uma avaliação de conhecimentos. Na terceira, para a qual sobram poucos concorrentes, há uma entrevista individual com apresentação de uma proposta de sequência didática que deve ser elaborada nos moldes em que a escola trabalha.
“Normalmente, apenas uns 15% dos candidatos chegam a essa fase”, diz Fábia Antunes, diretora de currículo. “Depois que implementamos o currículo, criamos o nosso perfil de profissional, que tem sete competências, três delas essenciais e quatro específicas, por áreas ou funções”, explica.
Entre as essenciais, uma que virou pré-requisito em todas as escolas e consultorias consultadas: a de profissionais que tenham olhar frequentemente voltado à sua formação continuada. Se a escola olha para a instituição em que foi feita a formação inicial, com instituições tradicionais como as universidades públicas e a PUC sendo bem vistas, o mesmo ocorre com a formação continuada. Aí entram em cena também outras instituições, como os Institutos Singularidades e Vera Cruz, além do congresso promovido pela própria escola, o Icloc.
Identidade
Além da solidez conceitual, a questão das instituições em que os professores fizeram as formações inicial e continuada também é relevante em função da visão de educação a que foram submetidos nesses cursos. Isso porque uma das principais questões é que estejam preparados para dar aulas em sintonia com o que a escola crê ser uma boa educação. É o que acontece em instituições tão diferentes entre si como os colégios Equipe, de linha construtivista e associado à formação de indiví­duos mais ligados às humanidades, e o tradicional Pio XII, franciscano, pertencente a uma ordem religiosa que veio para o Brasil em 1938, tendo como origem a Pensilvânia, inicialmente para cuidar da educação de famílias lituanas que haviam emigrado.
No caso do Equipe, a diretora Luciana Fevorini destaca três pontos vitais no processo seletivo, que envolve análise de currículo, entrevista e aula-teste: experiências anteriores; linha pedagógica de onde elas ocorreram e a formação inicial e continuada.
“Não pode ser uma pessoa que venha de escolas mais tradicionais, é preciso que tenha uma visão parecida com a nossa, que pense a educação como um espaço de reflexão, em que os conteúdos são recursos, meios para uma formação mais ampla, e não um fim em si mesmo. O professor precisa saber transitar entre esses conteúdos para fazer recortes e aprofundamentos”, explica Luciana, para quem as indicações ainda são muito valiosas, mas não se sobrepõem à aula-teste.
Já o Pio XII começou a mudar seu processo há cerca de oito anos, quando percebeu que a seleção, até então feita por indicação de outros professores, não estava levando à excelência acadêmica e à consonância com os ideais humanistas da escola, como relata a diretora-adjunta Fátima Miranda. As mudanças mais estruturadas, no entanto, foram implantadas de três anos para cá.
O processo é bem detalhado. Começa com captação de currículos de fontes variadas, e não se limita às disciplinas com vagas em aberto. O filtro inicial prevê análise da formação inicial e continua­da e as escolas onde lecionou. Depois disso, há uma prova de conhecimento, relativa à disciplina para a qual o candidato concorre. Quem atinge 80%, passa adiante e seu currículo fica no banco de dados da escola, mesmo que não seja contratado no processo.
A terceira fase compreende redação a partir de situações-problema e vivências, seguida de uma dinâmica de grupo e de um debate, observados pela coordenação de área e pela pedagógica. Os três melhores de cada disciplina são chamados para aula-teste, com foco na série em que devem lecionar. Depois, há uma entrevista com o coordenador e a direção pedagógica.
“Não é preciso ser católico, mas vemos se a pessoa ficará confortável para lecionar no colégio”, diz Fátima. Por fim, dois dos três selecionados são levados para uma última entrevista com a pastoral.
Com isso, o turnover diminiu. A não ser pelo fato de que a escola, ao detectar que o corpo docente do ensino médio e do fundamental começava a ficar distante dos alunos em termos de referências e linguagem, resolveu fazer uma mudança programada para rejuvenescer o grupo.
“Mudamos 70% do corpo docente do ensino médio. Buscamos mudar o perfil, pegamos professores de cursinho, mais jovens, com linguagem mais próxima à dos alunos, mas com perfil humanista”, conta Fátima.
O processo foi desafiador. A escola começou 2016 com 10 professores novos para as 14 disciplinas do médio, além de uma nova coordenação. “Foi um ano complexo, cheio de ajustes. Ou não haveria compatibilidade entre eles, ou se uniriam para trabalhar em grupo. Foi o que aconteceu.”
Na etapa inicial da seleção, um aspecto chama a atenção: do total de currículos levantados para a seleção, cerca de 30% foram captados pelo LinkedIn, a partir do perfil dos coordenadores. A escola gostou tanto da experiência que se prepara para investir mais nas redes sociais, tanto para essa função como para a comunicação com os pais. E, ao que parece, o uso das redes sociais, principalmente o LinkedIn, é o próximo passo que irá mudar a cara dos processos seletivos. Ou, pelo menos, dessa captação inicial de candidatos.

Autor

Rubem Barros


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