NOTÍCIA

Ensino Superior

Aprender não é um dom natural

De acordo com a pedagoga Walkiria Rigolon, as instituições escolares deveriam ensinar procedimentos e técnicas de estudo para ajudar alunos de todos os níveis, incluindo os da pós-graduação, a sistematizar o que aprendem

Publicado em 19/05/2017

por Redação revista Educação

entrevista Dificuldades para produzir um TCC ou mesmo um seminário mostram que mesmo os alunos da graduação têm de aprender a estudar

Dificuldades para produzir um TCC ou mesmo um seminário mostram que mesmo os alunos da graduação têm de aprender a estudar

Dificuldades para produzir um TCC ou mesmo um seminário mostram que mesmo os alunos da graduação têm de aprender a estudar

Como professora da educação básica, Walkiria Rigolon passou anos e anos falando para seus alunos se esforçarem mais para aprender. Foi somente depois que começou a trabalhar com a formação de professores que lhe veio a constatação de que os alunos, na verdade, só não estudavam mais porque não sabiam como fazê-lo. Os futuros docentes com os quais ela lidava se queixavam com frequência da dificuldade para produzir resumos, fichamentos, enfim, sistematizar o conhecimento que estavam adquirindo. Se eles mesmos não conseguiam fazer isso, como ajudariam as crianças nessa tarefa?, pensou Walkiria. A partir daí, a pedagoga, hoje mestre e doutora em Educação, passou a se dedicar ao tema.
Para marcar o lançamento do curso de pós-graduação em Docência e Educação na Contemporaneidade, a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) convidou a especialista, que também atua como assessora pedagógica, para falar sobre o problema, que afeta alunos de todos os níveis educacionais. “A escola, em geral, naturaliza alguns saberes, como se determinados conteúdos não precisassem ser ensinados, ou que pudessem ser aprendidos sem um modelo, sem apoio ou referência. Tratamos assim os procedimentos e técnicas de estudos como se fossem um dom natural.”
Por esse motivo, Walkiria afirma que mesmo os professores de instituições de ensino superior precisam ir além do conteúdo. Em sua opinião, também cabe a eles ajudar os alunos a conquistar autonomia por meio da superação de seus déficits de aprendizagem.
De que modo o tema “como se aprende a estudar” passou a ser uma preocupação profissional para a senhora?
Minha trajetória profissional se constituiu na escola pública paulista, onde atuo desde 1986 com alunos dos anos iniciais do ensino fundamental da educação básica. Por muitos anos, fiz vários sermões aos alunos pedindo que eles estudassem mais, solicitando maior esforço e afinco, que demonstrassem maior interesse em estudar. Na verdade, durante muito tempo em sala de aula, nunca me passou pela cabeça que cabia a mim ensiná-los a estudar.
Diante de avaliações com resultados ruins, o que eu costumava fazer era revisar os conteúdos trabalhados, até que iniciei o trabalho com formação de professores, e em seguida, comecei a fazer mestrado em Educação na PUC-SP, no programa de Psicologia da Educação. Nessa época, passei a perceber, de forma mais evidente, as queixas recorrentes das professoras sobre o fato de seus alunos não estudarem. Por outro lado, alguns amigos que também atuavam como professores e faziam o mestrado comigo queixavam-se sobre as dificuldades em estudar, produzir fichamentos, resenhas, sistematizar o que liam em forma de texto acadêmico. Foi então que passei a me deter mais sobre essa temática, pois era possível perceber que os mesmos professores que se queixavam de alunos que não estudavam também encontravam dificuldade em fazê-lo no curso de pós-graduação.
Tanto na educação básica, quanto no ensino superior, é essencial que os docentes, além dos conteúdos que ministram, também contemplem atividades que envolvam o ato de estudar, que obviamente não se resume ao ensino de técnicas e procedimentos, vai muito além, envolve um exercício reflexivo que precisa ser instigado. Desenvolver a capacidade de compreender o que se lê, de conseguir expressar os conhecimentos que se tem é fundamental, não só na esfera escolar, mas na vida. No ensino superior podemos perceber a dificuldade de muitos estudantes em realizar um seminário, uma pesquisa, em escrever um TCC, pois desconhecem muitas vezes como realizar procedimentos básicos de como produzir resumos, resenhas, fichamento, até mesmo como organizar uma anotação de um texto oral.
No Brasil, parece haver poucos estudos sérios sobre isso. E em outros países?
Esse tema ainda é pouco estudado no Brasil. Em Buenos Aires, por exemplo, essa preocupação é expressa no currículo. Se os alunos, durante a educação básica, sobretudo no ensino médio, tiverem a oportunidade de, por meio de uma relação verdadeiramente dialógica, expressar suas hipóteses, debater ideias, estabelecer relações e também aprenderem diferentes procedimentos de estudo que sistematizem tal prática, terão maior autonomia no ensino superior para escolher o melhor para si.
Na graduação, o problema surge com mais força, pois os professores têm de abordar temas mais complexos diante de alunos que não se apropriaram de questões básicas. Em Portugal, esta preocupação surgiu nas universidades devido à grande evasão de alunos no 1º ano, o que acabou desencadeando uma pesquisa que originou o livro Cartas do Gervásio ao seu umbigo – Comprometer-se com o estudar na universidade, voltado especificamente para alunos de ensino superior que tinham dificuldades em estudar.
Professores, coordenadores e gestores de instituições de ensino superior têm dado a devida importância a esse tema?
Tanto os professores como os alunos – salvo raras exceções – nunca aprenderam a estudar, ou seja, nunca aprenderam de forma sistematizada como fazer um resumo, qual a diferença entre um resumo e uma resenha, como parafrasear um texto, elaborar um esquema, um fichamento, ou mesmo como organizar a anotação de um texto oral. Esses procedimentos são comumente solicitados, mas nunca ensinados.
A escola, em geral, naturaliza alguns saberes, como se determinados conteúdos não precisassem ser ensinados, ou que pudessem ser aprendidos sem um modelo, sem apoio ou referência. Tratamos assim os procedimentos e técnicas de estudos como se fossem um dom natural. Isso é um grande equívoco. Os alunos precisam aprender a estudar, e não me refiro exclusivamente ao ensino de técnicas e procedimentos, mas especialmente ao desenvolvimento da capacidade de aprimorar o senso crítico, levantar hipóteses, checá-las, confrontá-las, ou seja, de praticar um artesanato intelectual.
Muitas vezes, o que percebemos em muitos sites na internet são dicas comportamentais sobre como estudar: dormir oito horas por noite, ter uma agenda, estudar em um lugar calmo e organizado, porém nenhuma destas orientações irá lograr êxito se o estudante não conhecer minimamente algumas técnicas de estudo, se não desenvolver a capacidade de refletir, analisar, estabelecer relações, se não tiver uma intencionalidade clara acerca do que vai aprender. Apesar de ser um tema extremamente relevante para todos que trabalham com educação, ele ainda não é tratado como deveria. Poucos locais que conheço têm ações sistematizadas e contínuas voltadas para o médio e o longo prazo. Na Unicamp, por exemplo, a biblioteca fazia reuniões com estudantes voltadas para o ensino de metodologia de pesquisa, mas as ações em geral são ainda muito pontuais. Precisamos levar em conta que encontros esporádicos dificilmente sanarão deficiências que vêm de longa data.
É sabido que os alunos brasileiros, em geral, chegam ao ensino superior com muitas deficiências. Como os professores podem sanar essas lacunas?
É importante destacar que, de acordo com as avaliações internacionais, não é só o Brasil que está lidando com essa questão; os resultados em leitura demonstram isso. A meu ver, o primeiro passo é considerar que algo precisa ser feito. Assim como na educação básica, o ensino superior deve assumir a tarefa de que os estudantes precisam de apoio para que possam superar seus déficits de aprendizagem. Que como professores precisamos não só ensinar conteúdos, mas também ajudar nossos alunos a terem autonomia, e não existe autonomia sem conhecimento.
O que temos visto é um processo contínuo de culpabilização, no qual os anos iniciais acabam sendo culpabilizados pelos resultados dos alunos nos anos finais do ensino fundamental. No ensino médio, a culpa recai sobre os professores do ensino fundamental e no ensino superior, sobre os professores do ensino médio. Daqui a pouco alguém no maternal vai culpar a mãe por não ter feito algo durante a gestação. Brincadeiras à parte, precisamos ir além da constatação. Este tipo de atitude em nada contribui para o avanço da aprendizagem dos estudantes. Muitas escolas particulares chegam a fazer vestibular com alunos que ainda iniciarão o 1º ano do ensino fundamental. Os professores que lecionam para esses alunos “selecionados” são considerados excelentes, contudo fico pensando se eles também conseguiriam bons resultados se recebessem alunos com diferentes níveis de saberes.
Por isso, sempre me incomoda a comparação entre os alunos de certas escolas, diante de um processo que seleciona somente os alunos que apresentam bom desempenho, e outro que atende a todos, pois compreende a educação como um direito humano. A escola como um todo precisa aprender a lidar com a diversidade, de toda natureza, inclusive de saberes e níveis de conhecimento. Neste sentido, deveríamos nos preocupar com a reforma do ensino médio em curso, que a meu ver dificultará ainda mais a possibilidade de realizarmos um processo integral de formação.
Muitos cursos superiores têm investido nas metodologias ativas de ensino. Quanto de sucesso pode haver nessa iniciativa se, em geral, os alunos não sabem estudar?
Embora essa metodologia não seja algo novo, tem voltado à tona nos últimos tempos. O que percebo é que, muitas vezes, o que chamam de metodologia ativa pauta-se em algumas iniciativas nas quais princípios como a contextualização e a problematização têm sido mais aplicados, todavia confesso que particularmente não conheci ainda nenhuma instituição que tivesse alcançado a organização de uma rotina pedagógica totalmente pautada nesse modelo. O que vemos são projetos desenvolvidos nesse referencial. Não porque não haja um verdadeiro esforço para alcançá-lo, mas devido aos entraves, que são muitos, por vezes até confundem essa pedagogia com “espontaneísmo”.
Ainda há muitos impedimentos para empreendermos uma prática como esta, entre elas as avaliações externas, que têm se refinado cada vez mais e se transformado em “indutor curricular”. Nesse contexto, a preocupação maior acaba sendo a de alcançar os índices propugnados, em detrimento do desenvolvimento de uma educação integral, focada na autonomia e na emancipação dos alunos. Diante deste panorama, a avaliação torna-se o fim e não o meio.

Autor

Redação revista Educação


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