NOTÍCIA

Edição 239

O que os colégios particulares fazem para auxiliar alunos na transição entre o ensino fundamental 1 e o 2

Estratégias como acompanhamento próximo do estudante, formação de professores e orientação das famílias são algumas das apostas de instituições da rede privada

Publicado em 08/05/2017

por Rubem Barros

_MOR5499 Aluno do Colégio Global em aula de degustação de robótica: estratégia de sedução para o novo ciclo de ensino | Foto: © Gustavo Morita

Aluno do Colégio Global em aula de degustação de robótica: estratégia de sedução para o novo ciclo de ensino | Foto: © Gustavo Morita

Aluno do Colégio Global em aula de degustação de robótica: estratégia de sedução para o novo ciclo de ensino | Foto: © Gustavo Morita

Ainda que, na comparação com os índices de reprovação e abandono do total dos estudantes do 6º ano do ensino fundamental os resultados dos alunos das escolas privadas sejam mais satisfatórios, isso não quer dizer que a transição entre fundamental 1 e 2 seja menos desafiadora para essas instituições.
Nas redes privadas, o percentual de reprovação mais abandono no 6º ano atinge a cifra de 4,2% dos alunos (4,1% deles reprovados), contra 17,1% (13,8% de reprovados) quando postas em conjunto as redes públicas e privadas. Na rede privada, no entanto, a reprovação é maior ao final do 7º ano, indo a 4,8%, e mantém-se estável nos outros anos (4,5% no 8º e 4,6% no 9º ano).
Mas, para que ela seja menos de um terço da taxa geral no ano de ingresso do fundamental 2, as escolas têm, cada vez mais, adotado uma série de estratégias para auxiliar não só os alunos, mas também professores e as próprias famílias dos estudantes. Nesse universo, aliás, a postura das famílias muitas vezes tem se mostrado um elemento complicador.
“Há presença excessiva dos pais e muita superproteção”, resume Andressa Pescuma, coordenadora pedagógica do fundamental 2 e do ensino médio do Colégio Global, em São Paulo.
Além dessa questão, que atrapalha as crianças num momento-chave de seu processo de construção da autonomia, há alguns outros fatores que tornam a passagem delicada: as mudanças no espaço físico da escola; alterações corporais e hormonais; entrada em novo momento do ponto de vista cognitivo, passando de um pensamento mais operatório, baseado em situações concretas, para outro mais formal, com formulação de hipóteses e maior capacidade de abstração.
Isso sem contar com as mudanças trazidas pelo novo ciclo escolar, entre as quais se destaca o fato de a relação com o professor generalista, até então mais próxima e baseada na confiança e afetividade, se modificar e multiplicar com a entrada em cena de vários professores especialistas, cujos vínculos tenderão a ser mais assentados nos conhecimentos, com um maior distanciamento emocional em função de estes professores se dedicarem a mais classes e alunos, além de terem uma formação mais voltada a seu objeto de ensino do que a quem aprende.
Para Vera Barreira, orientadora educacional do fundamental 2 na Escola da Vila, responsável direta pelo acompanhamento dos 6os e 7os anos, as questões centrais da passagem estão relacionadas à entrada em cena dos professores especialistas, o que requer olhar atento com relação a novas dinâmicas e práticas escolares, e ao fato de, ao menos em sua escola, haver um rearranjo das classes. “Achamos importante nessa idade desfazer o grupo depois dos cinco anos iniciais, pois há uma tendência de eles cristalizarem papéis (o mais engraçado, o alvo das brincadeiras, o líder etc.). Assim, podem recomeçar essa história num novo grupo, além de ampliar o círculo de relacionamentos”, explica.
Na dinâmica propriamente relativa ao processo escolar, Vera destaca os pontos que crê merecerem atenção: aulas com tempo e conteúdos determinados, sem a flexibilidade que havia no fundamental 1 para estender ou encurtar a abordagem; um ritmo mais intenso pelo fato de serem várias aulas de vários professores, todos com demandas próprias; maior aprofundamento conceitual e de procedimentos; um número maior e mais frequente de avaliações; a relação mais impessoal.
No que diz respeito diretamente ao tratamento dos conteúdos, o início do fundamental 2 marca uma mudança de postura, tanto dos professores, como em relação ao que se espera dos alunos. É a etapa em que o estudante alarga o tipo de raciocínio, não necessitando mais apenas de exemplos concretos para a compreensão dos conceitos. É a passagem do raciocínio operatório para o formal, quando entra em cena a capacidade não só de formular hipóteses, mas também de dar respostas mais complexas às questões estudadas. “Quando eles estudam por que há enchentes em São Paulo, por exemplo, vão ver que não basta olhar para o volume excessivo de chuvas, que há outras várias razões para o fenômeno. Ao trazer os temas, o professor tem uma intencionalidade no seu tratamento”, explica Vera.
Como as mudanças são muitas, é preciso que o processo seja gradual. “Os professores não podem esperar que os alunos estejam preparados de cara para tudo isso. Precisam prepará-los para uma relação mais calcada no trabalho”, acrescenta.
Diferentes estratégias
Para isso, as escolas adotam ações variadas, muitas vezes de acordo com seus públicos. Talvez as mais comuns e frequentes são aquelas em que as escolas colocam os alunos do 5º ano em contato com o espaço físico do fundamental 2, além de promover encontros com alunos e professores do novo ciclo.
No caso do Colégio Vértice, há cerca de quatro anos a escola tem adotado a estratégia de colocar professores do fundamental 2 das disciplinas de história, geografia e ciências, para lecionar o ano todo no fundamental 1, sob orientação de professores pedagogos da etapa. Assim, já mostram aos alunos um pouco do como será a nova etapa, o que mudará em termos de forma de trabalhar e exigências. Para isso, são orientados, por exemplo, sobre a linguagem mais adequada e os cuidados para essa aproximação.
“Além disso, fazemos encontros bimestrais entre professores do 5º e do 6º anos, para fazer a checagem de como está o desenvolvimento da turma do 5º, assim vemos o ponto em que a turma precisará estar no início do ano seguinte”, diz Adriana Caporal, orientadora educacional. Isso, revela, reduziu a zero em 2016 o índice de reprovações no 6º ano.
O Colégio Global adota estratégia semelhante. No 2º semestre do 5º ano, os alunos têm várias aulas de transição com os futuros professores. Abertas também aos alunos de colégios parceiros, essas aulas têm um quê de marketing, segundo a coordenadora Andressa Pescuma, pois visam fazer com que os estudantes se sintam atraídos pelo fundamental 2. São oferecidas aulas de robótica e de ciências nos ambientes próprios ao estudo dessas disciplinas, com materiais que são novidade para os estudantes.
Além disso, a escola também investe no contato com os pais, fazendo reuniões preparatórias de orientação para o novo ciclo, para que haja mais liberdade, porém acompanhada.
Nesse processo, os profissionais das três escolas ressaltam a importância de, num primeiro momento, monitorar os estudantes no que diz respeito à organização pessoal, para que aos poucos assumam postura mais independente.
“No fundamental 1, tudo é muito mediado pelos adultos. Agora, é preciso dar suporte para a construção da autonomia, ver os registros nos cadernos, na agenda de lição de casa”, diz Vera Barreira. Para que eles tenham o controle sobre a própria aprendizagem, a Escola da Vila trabalha três pontos: a percepção de que o que aprendem é resultado do próprio trabalho; a autoavaliação (identificação de pontos fortes e fracos); avaliações formativas, sempre com detalhamentos do que e como estudar, percentual de lições de casa feitas, objetivos atingidos.
A educadora corrobora a imaturidade diagnosticada por Andressa Pescuma, do Global. “A ânsia de fazer tudo pelos filhos de alguma maneira diz que não confiamos na capacidade deles de resolver as situações”, avalia ao enfatizar a necessidade de fazer os alunos assumirem suas responsabilidades.
Se os estudantes demandam atenção, também os professores que lidam com eles precisam de apoio e direcionamentos específicos. Entre os primordiais está a necessidade de conhecer bem os processos pelos quais os jovens passam nessa idade. Isso se relaciona não só à mudança da forma de pensamento, mas também a transformações no modo de ver a vida nessa idade. “O sentimento de solidão fica mais explícito nessa idade, ao contrário de antes, quando a família e a escola ajudam a entender o que estão sentindo”, diz Vera.
Assim, é importante que os professores reconheçam certos estados de espírito e, se não podem ter vínculos com todos, devem manter canais de comunicação abertos.
No caso do Vértice, a escola investe em reuniões quinzenais com os professores para a discussão de textos sobre questões emocionais, cognitivas e neurológicas dos alunos. Além disso, há um cuidado com a passagem na forma de trabalhar os conceitos. Adriana Caporal alerta para a necessidade de que os professores se debrucem sobre os enunciados dos problemas. “Muitas vezes, o aluno lê e não entende. O professor tem de adequar a linguagem, pois o vocabulário pode ser muito denso”, diz, o que tende a se tornar uma barreira nem sempre perceptível.
Assim como no exemplo da linguagem, o que parece ficar claro é que não se pode esperar, pelo simples fato de terem mudado de ciclo, que os alunos dessa faixa etária apresentem um nível de autonomia satisfatório num passe de mágica. Aqui, os ritos de passagem não são claros como em outras culturas, mas costumam deixar marcas das quais muitas vezes demoramos anos para ter consciência de sua existência e do quanto nos custaram. No caso da educação brasileira, vem custando a desilusão com a escola para muitos estudantes.
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Autor

Rubem Barros


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