NOTÍCIA

Edição 229

Diretores ingleses contam com grande autonomia

Sistema é um dos que mais apostam na autonomia da gestão, ainda que, por vezes, enfatize em excesso a cobrança em tempos muito curtos

Publicado em 10/05/2016

por Rubem Barros

Autonomia inglesa

 

© James Brittain/Corbis
Atividade em laboratório na John Madejski Academy, no Reino Unido: meta é que todas as escolas sejam autônomas até 2022

 
A importância dos gestores escolares, especialmente o diretor, tem sido apontada como um dos elementos-chave para a aprendizagem dos estudantes. O cruzamento de várias pesquisas internacionais alicerçadas em bases de dados aponta essas lideranças como o segundo fator de impacto para o sucesso escolar dos alunos, superado apenas pelo desempenho docente.
Tendo isso em vista, nada mais lógico que prover os diretores, normalmente as principais lideranças escolares, de autonomia para que desenvolvam as estratégias que melhor se adaptem ao ambiente de suas escolas, seja no trabalho com as equipes de gestão e os docentes, seja na articulação destes com os processos de ensino e aprendizagem. Partindo desse preceito, a Inglaterra, ao longo das últimas duas décadas e meia, vem implementando um dos mais significativos conjuntos de reformas estruturantes para delegar autonomia aos diretores e, ao mesmo tempo, para responsabilizá-los pelos resultados educacionais obtidos.
Iniciado com a edição da Lei de Reforma do Ensino, em 1988, ainda na era da ex-primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher (1979-1990), o movimento ganhou mais peso a partir dos anos 90, em especial no governo trabalhista de Tony Blair (1997-2007). Desde então, as autoridades federais vêm estimulando a autonomia, controlando o desempenho por meio de inspeções realizadas pelo Office of Standards in Education (Ofsted, ou Escritório de Padrões na Educação, substituto dos Her Majesty´s Inspectors, nascido na era vitoriana), oferecendo apoio e desafios a gestores e professores e também os punindo quando os resultados não são alcançados. As escolas foram estimuladas a se tornarem “academies”, designação que lhes dá autonomia com relação aos sistemas locais de educação, cuja diminuição ou desmonte foi levada a cabo pelo poder central com a justificativa, segundo um documento governamental de 2010, de que “uma lição tirada dos melhores sistemas educacionais do mundo é que eles delegam o máximo possível de poder à linha de frente, ao mesmo tempo que conservam altos níveis de responsabilização”.
Nesse processo, o país também criou uma escola de formação de líderes, o National College, que emite certificados para quem a cursa, e estimulou a colaboração entre escolas de alto e baixo desempenho, depois de num primeiro momento ter apostado mais na competição. Desde 2012, em função da diminuição de receitas, esse certificado não é mais obrigatório para os diretores novatos, fato visto como um retrocesso.

De professor a líder

Até a introdução da reforma, a própria nomenclatura revelava uma demanda diferente em relação ao papel dos líderes escolares. Eles eram chamados de headteachers, ou professores-chefes, signos de um tempo em que o conhecimento da docência distinguia esses profissionais do resto da sociedade e lhes dava a autoridade no ambiente escolar. Nos anos 90, foram sendo mais realçadas as características de gestão em sentido mais amplo e, mais tarde, de liderança, indicando a importância do papel de condução de toda a comunidade escolar, com capacidade para motivá-la e agregá-la em torno de objetivos comuns.
Além disso, as diretrizes vêm sofrendo alterações constantes ao longo dos anos, a partir dos resultados obtidos e de demandas das autoridades governamentais. “A experiência do educador na Inglaterra é que estamos vivendo um processo maoista, de revolução permanente”, brinca Adrian Ingham, ex-professor, ex-diretor e atual consultor educacional.
Grande conhecedor do sistema inglês e de suas mudanças (é autor, ao lado de Maria Carolina Nogueira Dias, da publicação Lideranças escolares da Inglaterra – Possíveis alternativas para o Brasil, patrocinada pela Fundação Itaú Social e pelo British Council), Ingham ressalta que o nível de exigência com relação a diretores e professores subiu, de forma positiva.
“Uma das melhores coisas desse processo é não tolerar a falha de uma escola, que ela continue a falhar. Porque os alunos têm uma oportunidade só na vida.” Segundo ele, nesses anos houve uma transformação positiva da população, que hoje sabe que as escolas precisam e podem ser boas, mesmo aquelas das comunidades mais pobres. “Existem evidências de que escolas em bairros pobres, com grandes problemas sociais, podem melhorar. Sabendo disso, as expectativas da população mudaram”, completa Ingham.

A força das inspeções

Muito dessa melhora está relacionado ao acompanhamento feito pelo Ofsted. Sua ação parte do princípio de que não adianta apenas dar autonomia aos diretores, sem monitorar as metas e os resultados obtidos.
Os representantes do Escritório de Padrões visitam as escolas em diferentes intervalos, dependendo dos resultados apresentados anteriormente. Monitoram ensino e aprendizagem (muito pautados pelas provas de larga escala), avaliam liderança, finanças, instalações e toda a documentação exigida pelas políticas implementadas. As escolas bem avaliadas recebem essas visitas de forma bastante espaçada, às vezes de três a quatro anos. A inspeção é feita por uma equipe de até cinco pessoas, durante dois ou três dias.
Já aquelas que estão apresentando baixo desempenho são visitadas em intervalos bem mais curtos. E os professores dessas unidades devem apresentar relatórios aos diretores, com mudanças na curva de aproveitamento, a cada seis semanas, para que estes possam preparar-se para a próxima inspeção mostrando melhores resultados. Obviamente, os diretores devem assessorá-los na busca de caminhos que possam dar respostas que ajudem a melhorar a aprendizagem dos alunos.
Uma das estratégias de maior sucesso para isso é a cooperação das escolas de baixo rendimento com aquelas de melhores resultados. Os diretores destas últimas são estimulados a fazer visitas sistemáticas a seus pares, analisando seus processos, identificando problemas e expondo as saídas encontradas em sua escola. Para isso, suas escolas recebem verba extra. Em adição a esse processo, o National College criou grupos de diretores bem-sucedidos que se tornaram “consultores líderes” e depois viraram os “Líderes Nacionais de Educação”, cuja missão é oferecer apoio às escolas mais fracas do sistema.
Segundo Ingham, a experiência da cooperação foi muito boa, apesar de ela não ter eliminado a competição entre escolas, já que elas continuam concorrendo por verbas. As melhores escolas são premiadas com mais dinheiro, assim como os professores de disciplinas específicas que cooperam com os pares.
“Houve muito sucesso nesse experimento de colaboração, criando a crença no poder de uma escola boa transformar outra escola, o que persiste até hoje. Também resultou na criação de grupos de escolas, federações, que são autônomas. Por exemplo, quatro escolas criam uma federação a partir de uma escola muito boa que apoia as outras e passam a dividir as responsabilidades. Para isso, criou-se o cargo de chefe executivo, um CEO muito bem remunerado”, explica o consultor.

Resistências

O modelo parece funcionar bem, mas sempre há exceções. Muitas escolas e governos locais resistem à almejada autonomia total das escolas. Preferem fazer parte de federações, ou mesmo continuar a reportar-se a uma instância intermediária, como as nossas secretarias municipais de Educação. Mas, ao que parece, o governo central vem forçando a mão para que o processo previsto para 2022, de total autonomia das escolas, seja alcançado. Para isso, não tem poupado profissionais que não conseguem melhorar seu desempenho, às vezes não lhes dando muito tempo para reverter a curva. Como, segundo Ingham, os sindicatos perderam força há muito tempo, o poder político tem prevalecido.
“Há um conflito entre o que quer o educador e o que quer o político. O educador vê o médio e longo prazos, o político quer ter resultados imediatos. E isso para nós é muito difícil. Mudamos o ministro da Educação, em média, a cada dois anos. E cada um tem um novo programa, novas prioridades. Já os tempos e as prioridades dos educadores são outros”, pondera Ingham.
Para ele, se a busca permanente por melhorias é positiva, o processo por vezes é baseado em excesso nas ideias de livre mercado. Cita como exemplo o fato de tanto trabalhistas como conservadores sonharem com um sistema que melhore graças às próprias escolas, mas acha que esse sistema é muito confuso, de difícil entendimento, com muita variedade de escolas – academies, community schools, free-schools, locais, entre outras.
E também vê uma redução excessiva de objetivos educacionais, em especial para as escolas primárias (5 aos 11 anos) de baixo rendimento, onde impera o mantra “língua inglesa e matemática, língua inglesa e matemática”. Nessas escolas, o espaço para a inovação pedagógica inexiste, principalmente em função de terem de apresentar melhoras significativas em pouco tempo. Isso fica reservado, então, às de bom desempenho, cujos tempos – educacionais e de inspeção – são mais longos.
Mas, tudo somado, Adrian Ingham vê o saldo como positivo. Além da pouca tolerância com escolas que não levam o aluno a aprender, ressalta o fato de que o processo reconhece que os profissionai podem melhorar e aprender a fazer o que ainda não sabem. E que o olhar sobre a aprendizagem esteja assentado em evidências científicas, que servem para apoiar diretores e professores, muitas vezes por meio de seus pares.
Instado a aconselhar diretores de escola brasileiros, faz as seguintes recomendações: “visite várias escolas, não fique restrito a um ambiente. Tenha uma postura aberta à experimentação, seja flexível. E tenha altas expectativas em relação aos alunos e à escola, acredite que é possível ter bons resultados mesmo em ambientes difíceis, isso pode fazer a diferença”.

Autor

Rubem Barros


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