NOTÍCIA
Os jovens clamam pelo direito de serem ouvidos na decisão sobre seus destinos
No momento em que escrevo, mais de 170 escolas públicas do Estado de São Paulo estão ocupadas por alunos que se opõem à reestruturação anunciada pela Secretaria Estadual da Educação. O movimento não para de crescer e toma as ruas da cidade. O secretário estadual da Educação argumenta que pesquisas atestam que a separação dos ensinos fundamental e médio contribui para a melhoria da “qualidade” da educação. E acrescenta: “Contra dados, não há argumentos”. Ao fazê-lo, contudo, decreta a superfluidade da política – do diálogo e da persuasão – como forma de arbitrar as disputas e interesses de uma comunidade.
A submissão da política – arte incerta, contingente, frágil – à racionalidade de poucos é uma velha aspiração. Remonta a Platão, que acreditava que o destino da república não poderia ficar à mercê das paixões e opiniões do povo – do demos – e que a ordem política deveria ser o encargo dos mais sábios. Em sua versão moderna, os sábios foram substituídos por tecnocratas que, a partir de supostas investigações científicas, creem poder ordenar o lugar de cada um numa dada ordem social. E é contra essa ordem que se levantam as vozes dos jovens, que clamam pelo direito de serem considerados quando se decide seus destinos.
Eles nos lembram o óbvio: que a qualidade de uma escola é mais do que se mede nos testes padronizados de rendimento escolar; que as instituições escolares criam vínculos com os alunos que ali passaram e com aqueles que hoje lá estão. Nos lembram que uma boa escola pública é aquela que logra levar seus alunos a ter uma posição própria em relação às políticas de governo e a coragem de expressá-la em espaço público. E chegam a esse grau de mobilização cívica e consciência crítica a despeito do descaso do poder público para com a formação dos professores e suas condições de trabalho. Numa escola em que falta até mesmo papel higiênico, sobram lucidez e coragem política entre os jovens que a frequentam!
Essa coragem escancara a covardia silenciosa da população de São Paulo que tem assistido quieta à exterminação de seus jovens em chacinas sistemáticas, que silencia acerca da irresponsabilidade na gestão dos recursos hídricos, que finge desconhecer a incompetência e a corrupção que dominam as políticas de transporte metropolitano. As vozes desses jovens rompem esse silêncio que ameaça transformar nossa indiferença política em consentimento e cumplicidade. E por isso a eles devemos ser gratos.
Em uma das mais belas passagens de A condição humana, a filósofa Hannah Arendt afirma que “os homens, embora devam morrer, não nasceram para morrer, mas para poder iniciar algo novo”. Ela alude à potencialidade humana de romper com as amarras do passado e criar algo novo e imprevisível para as gerações anteriores. É o sentido que atribui à polêmica e ambígua noção de “liberdade”, compreendendo-a não como a escolha entre caminhos previamente concebidos, mas como a faculdade humana de fazer eclodir o novo e renovar um mundo comum. Nesse sentido, a liberdade se transforma em um atributo da vida política e não simplesmente em direito individual. É esse “milagre” da liberdade que eclode nos pátios das escolas e nas ruas de São Paulo.
Como um velho professor, assisto à indignação desses jovens alunos das escolas públicas com fé e esperança. Que seus clamores possam nos despertar de um sono sem sonhos.