NOTÍCIA
Divulgar atividades que exponham alunos em redes sociais pede cuidados legais para preservar a segurança de crianças e jovens. Por outro lado, é possível fazer da página da escola uma ferramenta de conscientização e referência de boas práticas
“Achei estranho porque, depois que a imagem foi publicada, acabei virando um centro de atenção na escola. Até gente que eu não conhecia veio falar comigo – inclusive para dizer que eu estava ridícula com aquela roupa, que na verdade era o figurino de uma peça. Eu uso redes sociais, mas essa situação me fez perceber que essa exposição pode ter repercussões na vida real.” Esse relato foi dado por uma estudante de 16 anos da rede estadual de ensino de São Paulo, que pediu para não ser identificada. O constrangimento não foi resultado de uma imagem publicada por ela mesma, por amigos ou familiares. A foto era parte da divulgação de atividades na página de Facebook da escola onde a jovem estuda.
Se a exposição de crianças e jovens na internet já é por si um assunto delicado, o tema torna-se ainda mais complexo quando a própria escola faz a escolha de manter uma página ou perfil em alguma rede social – e, por meio dela, divulgar para pais, educadores e demais usuários da rede imagens de ações que envolvam seus alunos. A possibilidade de constrangimento, de cyberbullying e do uso indevido dessas imagens deve ser observada pelas instituições de ensino. Por outro lado, afirmam especialistas, é necessário ponderar que, se utilizada a partir de princípios claros e pautados pelo bom-senso, a página da escola pode se transformar em uma poderosa ferramenta de conscientização.
“Embora utilizemos as redes sociais e a própria internet já há alguns anos, nem sempre é tão simples perceber as consequências da postagem de uma foto. Uma vez on-line, é praticamente impossível que se tenha controle sobre o que está publicado”, alerta Rodrigo Nejm, psicólogo e diretor de educação da Safernet, associação sem fins lucrativos que é referência nacional no enfrentamento aos crimes e violações aos direitos humanos na internet. Para Nejm, quando a escola divulga suas atividades em algum canal de web, expondo a imagem de alunos, deve levar em conta critérios válidos para toda a rede, como evitar imagens que possam gerar erotização (crianças pequenas sem roupas, por exemplo) ou posts capazes de provocar constrangimento. “E isso também vale para o constrangimento futuro, já que a imagem certamente poderá ser vista por um longo período de tempo”, reforça o especialista.
Permissão
Do ponto de vista legal, as escolas precisam solicitar aos pais autorização para o uso da imagem de alunos também para as redes sociais. Nas escolas particulares, onde existem contratos mais explícitos de prestação de serviço, é importante que se insira pelo menos uma cláusula em que os responsáveis autorizem a divulgação de imagens vinculadas a atividades escolares. No caso de escolas públicas, esse documento também deve ser produzido, mesmo que no formato de autorização específica. Aos pais cabe verificar se o documento ou a cláusula está de acordo com o que acreditam ser correto. “O importante é que saibam que, mesmo com a banalização da produção e difusão de imagens por dispositivos e meios digitais, também é preciso que fotos postadas em redes como o Facebook ou o Instagram estejam devidamente autorizadas”, explica Fernanda Leonardi, advogada especialista em direito digital.
A escola precisará criar dinâmicas para evitar que não sejam publicadas imagens dos alunos para os quais não foi dada autorização. “Caso a imagem de um aluno seja divulgada sem essa autorização expressa, a escola pode, sim, ser acionada legalmente”, completa a especialista. Fernanda aponta ainda que, mesmo se for abrangente, a cláusula que autoriza o uso de imagens de crianças e adolescentes pelas escolas pode contar com observações e restrições feitas pelos pais. “No contrato escolar dos meus filhos, por exemplo, eu fiz questão de fazer um adendo afirmando que as imagens não podem ser utilizadas para fins comerciais.”
Compartilhando aprendizados
Se, por um lado, publicar imagens de alunos nas redes sociais das instituições de ensino pede cuidados, não podemos negar que os ambientes digitais se transformaram em um importante canal de comunicação, capaz de agregar, atrair e fomentar discussões e ações práticas no ambiente escolar.
“Acho que seria um acovardamento deixarmos de utilizar uma ferramenta que aproxima os jovens das atividades da escola por causa da vulnerabilidade presente na rede”, analisa Aldair Almeida Dantas, diretora do Colégio Estadual Stiep Carlos Marighella, em Salvador (BA). Para a gestora, utilizar o Facebook é uma maneira de dialogar com os alunos – afinal, trata-se de um espaço virtual que eles mesmos usam amplamente. A manutenção da página do colégio, afirma Aldair, segue critérios claros, evitando a exposição inadequada de alunos e zelando para que os pais estejam cientes de que qualquer divulgação será realizada apenas mediante autorização. Além desses cuidados, tanto a página em rede social quanto o site do colégio são monitorados por um especialista voluntário.
Aldair conta que esse monitoramento foi essencial quando a escola mudou de nome, há cerca de um ano. “Embora a decisão tenha sido democrática, multiplicaram-se em nossa página comentários ofensivos daqueles que discordavam da mudança e que atacavam muitos dos nossos alunos. O responsável pelo monitoramento teve o cuidado de apagar textos ofensivos e comunicar explicitamente por que estávamos fazendo isso. Aprendemos com essa situação que não apenas as imagens, mas também as palavras, precisam ser tratadas com muito cuidado nos ambientes virtuais”, afirma a gestora. Além dos cuidados com a divulgação, os estudantes do colégio recebem orientações sobre como usar a internet de forma a evitar exposição equivocada e excessiva e como não prejudicar outras pessoas com a publicação de material indevido.
Utilizar a página da escola no Facebook como referência em um processo maior de conscientização é, inclusive, uma das principais chaves para transformar o que poderia ser um mero canal de divulgação em uma ferramenta de caráter educativo. “É uma maneira de tocar no assunto, demonstrando claramente suas implicações – inclusive para os pais, que nem sempre enxergam as redes sociais em toda a sua vulnerabilidade”, aponta Rodrigo Najm, da Safernet.
A escola Bakhita, em São Paulo, divulga imagens de seus alunos como resposta a uma demanda dos próprios pais, que pediam um acesso mais ágil e simplificado às atividades realizadas diariamente na escola. “Sabemos que existe esse papel da rede social como espaço para monitoramento, por parte dos pais, do que está sendo realizado. A nossa principal intenção, porém, é que a página no Facebook seja uma extensão da cultura escolar – que, no nosso caso, preza pela autonomia do aluno”, diz Rafael Martins, educador e coordenador de TI e projetos na Bakhita. Isso significa, por exemplo, divulgar imagens que mostrem projetos realizados e momentos de troca que tenham sido importantes no ambiente escolar.
“Realizamos atividades como a produção de blogs e, nesses ambientes, os alunos também podem sentir o impacto da exposição de suas proposições e ideias – além de perceber que terão de lidar com críticas e questionamentos de pessoas que estão conectadas, mas que não necessariamente são conhecidas. Quanto mais adquirirem essa compreensão, mais conscientes ficarão de que tudo o que expuserem em suas próprias redes sociais poderá chegar a um número considerável de desconhecidos. A intenção é que a página da escola seja um exemplo de uso correto, de propagação de ideias, atividades e ações, feita de maneira saudável e construtiva”, explica Martins.
“A escola pode fazer do uso das redes sociais um tema, mais do que apenas uma prática. É algo que merece ser amplamente discutido e abordado para que a responsabilidade quanto à exposição de crianças e jovens seja tratada de forma mais madura e consciente”, complementa Rodrigo Najm. “O ideal é que os agentes – pais, educadores, funcionários, gestores e alunos – sejam mobilizados a refletir e opinar sobre o uso feito pela escola, buscando informações de órgãos especializados, inclusive os que estão presentes na rede. Assim é possível que se quebre essa febre de exposição excessiva e sejam evitadas as possíveis consequências negativas, indesejáveis para todos.”