NOTÍCIA

Edição 223

Autor

Luciana Alvarez

Publicado em 04/11/2015

Como ensinar programação e as vantagens de inserir a atividade no currículo

Escolas investem no ensino dessa nova linguagem para desenvolver nos alunos o raciocínio lógico e a capacidade para trabalhar em equipe

© Gustavo Morita
Elisângela de Carvalho, professora da rede municipal: projetos publicados e acessados em mais de 40 países

Em um mundo cada vez mais poliglota, a nova aposta como idioma essencial para o futuro é a linguagem dos computadores. Mas como não existe uma língua universal para as máquinas, a opção da maioria dos colégios que incluíram a programação em seus currículos tem sido enfatizar a lógica por trás de todas elas, mostrar os critérios e princípios que estruturam o pensamento para “conversar” com os dispositivos digitais.
Embora não seja exatamente uma novidade, pois há escolas que já oferecem programação há cerca de 20 anos, em muitas instituições de ensino ainda se trata de um desafio recente, com práticas sendo experimentadas e revistas, metodologias em aperfeiçoamento. Há também formatos variados: a programação entrando em projetos de outras matérias, como uma disciplina à parte ou, ainda, como atividade extracurricular opcional e dentro de atividades de robótica. O mais comum é que os alunos comecem a entrar no universo da programação no ensino fundamental 2, mas existem experiências com crianças já a partir dos 7 anos.
As seis escolas paulistas que integram o grupo Weducation (Emece, as duas unidades do colégio Internacional Vocacional Radial, o Internacional Ítalo Brasileiro, o Mater Dei e o Vila Saber) montaram recentemente um grupo de estudos interdisciplinar para sistematizar as práticas adotadas em cada uma delas e criar um modelo que terá, inclusive, material didático próprio. “A ideia é ter um modelo replicável, em que o professor não precise ser um especialista. Com bons roteiros de aula e orientações, todo professor que tenha afinidade com tecnologia poderá ensinar programação”, afirma Marcelo de Freitas Lopes, diretor de tecnologia educacional do Weducation.
Todas as escolas já incluíram a programação em suas atividades. Como os resultados têm sido avaliados como positivos, as práticas devem se intensificar a partir de 2016. Hoje, cada uma tem seu próprio modelo: algumas incluem a programação em projetos, em outras há disciplinas específicas ou o ensino ocorre dentro de outro componente curricular. Como material de apoio, usam o criador de aplicativos App Inventor, materiais do site Code.org e da Lego e a linguagem de programação Scratch.
No geral, os colégios seguem o mesmo princípio ao lidar com o tema. “O mais importante é encarar a programação como uma ferramenta para formar pessoas que pensam, resolvem problemas, convivem bem. Há um objetivo maior. Não estamos aqui para formar programadores”, diz Lopes.
Por que programar na escola?
Formar programadores é um grande interesse do mercado, que tem patrocinado campanhas para incluir o tema no currículo tradicional. No Brasil e no mundo, há déficit de programadores. Personalidades do universo da tecnologia – como Bill Gates, fundador da Microsoft, e Mark Zuckerberg, criador do Facebook – aparecem em um vídeo defendendo a causa.
As escolas, contudo, precisam de uma reflexão que vá além do objetivo de preparar mão de obra especializada para certo nicho de mercado, qualquer que seja ele, defende Paulo Fonte de Queiroz Júnior, assessor de tecnologia educacional do colégio Albert Sabin. Para ele, é válido pensar em empregabilidade e possibilidades de futuro, mas as instituições de ensino precisam de um olhar mais amplo. “Oferecemos a programação porque desenvolve habilidades que, no currículo tradicional, não têm tanto espaço, como raciocínio lógico e trabalho em equipe.”
No colégio, atualmente a programação é um conteúdo das aulas extracurriculares de robótica. Alunos do 6º ao 9º ano podem se inscrever para o curso, oferecido uma vez por semana, no contraturno. Este é o segundo ano da iniciativa, que usa o material e o software da Lego. Como o balanço da experiência até agora foi muito positivo, a escola pretende ampliá-la. “Estamos redesenhando, traçando novos rumos para o ano que vem. A programação é uma ciência muito vasta”, explica Queiroz Júnior.
O discurso sobre o mercado, oportunidades e futuro chama a atenção da sociedade e muitas vezes se sobrepõe a um valor intrínseco ao ensino de programação dentro das escolas: é preciso ter em mente que ela é uma ciência. Portanto, pode perfeitamente ser um objeto de estudo na Educação Básica. “É uma iniciação ao método científico, porque desenvolve habilidades de observação, pesquisa e resolução de problemas”, afirma Marinilce Belmudes, coordenadora de tecnologia educacional da unidade Valinhos (SP) do colégio Visconde de Porto Seguro.
Na escola, todos os alunos têm algum contato com a programação, pois as aulas de robótica – que sempre envolvem programação para criar os movimentos e respostas dos robôs – entram no currículo obrigatório por meio de projetos a partir do 3º ano do fundamental. “A robótica é oferecida com as demais disciplinas, como uma ferramenta para trabalhar mais profundamente certos conteúdos”, explica Marinilce, que garante que o conteúdo é abordado de forma bastante lúdica e, portanto, atraente.
Aos interessados, o colégio oferece uma formação complementar, com cursos extras duas vezes por semana. Há três opções: robótica, programação e arduíno (prototipagem eletrônica). E, mesmo nos cursos fora da grade oficial, os alunos produzem robôs, jogos, aplicativos ou equipamentos relacionados a conteúdos trabalhados na escola. Uma vez por ano, tudo o que foi produzido é mostrado às famílias durante a Mostra Porto. “Os alunos são os monitores e propõem desafios para os seus pais”, conta a coordenadora.
Aprendizado com produto e autonomia
Poder mostrar a todos um produto de sua lavra é um grande incentivo ao estudante, algo que o leva a se dedicar, acredita Andrea Romio, diretora da escola Maple Bear de Alto de Pinheiros, em São Paulo. Lá, a programação foi incluída como uma disciplina curricular a partir do 2º ano do fundamental. Os alunos têm aulas de 30 minutos duas vezes por semana. Nas disciplinas tradicionais, é mais raro o aluno ter a oportunidade de apresentar um produto que seja fruto do seu aprendizado.
“O resultado do que eles produzem pode ser facilmente publicado no próprio site do Scratch. Também podem ver o que foi produzido por outras crianças, de qualquer lugar do mundo, e se animar a fazer melhor, ir além”, diz Andrea. Não que precisem de incentivo extra. “Logo de cara eles se animam e querem produzir games. Mas a gente ensina que é preciso ter paciência, e produzir algo mais simples antes”, relata a diretora.
Para fazer com que os alunos produzam algo mais autoral, o professor de programação não precisa de diploma específico, mas de familiaridade com o assunto e da coragem de sair de cena, dando aos alunos autonomia para resolver os problemas do seu jeito. “É muito difícil saber uma resposta e guardá-la para si. O aluno tem de tentar, testar, encontrar o erro, tentar de novo”, diz Juliana Caetano, professora de tecnologias da informação e comunicação no colégio Stance Dual, de São Paulo. “Programação é mão na massa. Não importa como solucionar o problema. O aluno tem de achar seu próprio meio de resolver.”
Durante as aulas, os alunos se levantam e vão conversar uns com os outros, mas essa aparente “bagunça” é desejável. “O professor, de certa forma, perde o controle. Tenho uma máquina central, com a qual posso bloquear as máquinas dos alunos e mostrar para eles a minha tela, mas pouco uso esse recurso, deixo o aluno pensar”, relata a professora, que é formada em comunicação e multimeios.
 

© Gustavo Morita
Aula de programação no Colégio Ítalo Brasileiro: trabalho para sistematizar práticas e desenvolver material didático

 
A partir do fundamental 2, a programação entra como conteúdo de uma disciplina obrigatória no Stance Dual. Portanto, foi preciso organizar uma metodologia para avaliação, notas e recuperação. Os alunos trabalham sempre em equipes, cada um com uma função diferente: designer, programador e gerente do projeto. Começam fazendo uma documentação, explicando sua ideia e detalhando o que será feito – por exemplo, se for um jogo, o documento tem de descrever o cenário, a história, os inimigos etc. A partir disso, começa o desenvolvimento. “Como critério avaliativo, eles precisam incluir determinados recursos, como timer, contador etc. Como isso se encaixa no projeto, são eles que decidem”, diz Juliana.
Programação para todos?
Longe de ser uma prática comum, na rede pública a programação constitui uma exceção. Quando acontece, é graças a convênios com ONGs e universidades, ou por iniciativa de um professor apaixonado pelo tema.
Há um ano, a professora orientadora de informática educativa Elisângela Cruz de Carvalho, da Escola Municipal José Hermínio Rodrigues, de São Paulo, começou a dar iniciação à programação para alunos de uma oficina no contraturno. Deu tão certo que ela passou a incluir o conteúdo para todos da escola, no horário regular. “O conteúdo ainda não consta das diretrizes curriculares, mas tenho autonomia para desenvolver projetos”, diz.
Para dar conta de classes numerosas, ela organiza o trabalho dos alunos em duplas e recebe o auxílio de estudantes com conhecimentos mais avançados, que atuam como monitores voluntários. “Tenho dez monitores, que se dividem segundo uma escala para ajudar no contraturno”, relata. Esses alunos fazem isso apenas pelo prazer de ficar mais tempo ligados à programação.
Para Elisângela, a programação tem se mostrado um grande motivador dos alunos para o aprendizado escolar de forma mais ampla. “Criei um site para divulgar tudo o que eles fazem. Estamos em uma escola de periferia. A maioria dos estudantes não tem celular nem internet em casa, mas fazemos um trabalho sério”, afirma. O site (http://projetoseducacionais.educapx.com/) já registra acessos de 41 países diferentes – e os estudantes vibram com a visibilidade.
No colégio estadual Tomaz de Aquino, em Ceres (GO), uma vez por semana, de forma a complementar às matérias tradicionais, os alunos do 4º ano estão aprendendo a programar jogos e aplicativos, graças ao trabalho voluntário de estudantes de sistemas de informação da Universidade Estadual de Goiás (UEG). O projeto é pautado em materiais oferecidos pela plataforma Programaê!, iniciativa da Fundação Lemann desenvolvida com o Scratch e o Code.org.
As aulas de programação começaram apenas no 2º semestre de 2015, mas a recepção por parte dos estudantes foi tão positiva que o projeto já tem uma conquista importante que pode ser mensurada mesmo nesse curto período: a maior frequência à escola. “Os alunos receberam o projeto com um entusiasmo inacreditável. Uma das estratégias do projeto é não determinar o dia de sua execução na escola, o que proporcionou quase que de imediato uma diminuição significativa na ausência escolar”,  comemora Elton Morais, estudante da UEG e coordenador da iniciativa, batizada de Gênios de Turing.
“Outro dado interessante é que iniciamos com 22 alunos e, curiosamente, hoje são atendidos 30 – e isso da mesma turma. Alunos que já não estavam frequentando regularmente as aulas convencionais voltaram a frequentá-las”, afirmou. Em qualquer escola, em qualquer formato de ensino, os alunos sinalizam querer adotar esse novo idioma.

As ferramentas citadas nesta reportagem
■ App Inventor: ferramenta do Google que permite a criação de aplicativos para telefones que rodam o sistema operacional Android.
■ Arduíno: plataforma composta por hardware e software criada em 2005 para a criação de protótipos eletrônicos, permitindo o desenvolvimento de sistemas interativos a baixo custo.
■ Code.org: organização sem fins lucrativos com objetivo de ensinar programação para pessoas de todas as idades, apresentando conteúdos de forma simples e amigável.
■ Scratch: linguagem de programação criada em 2003 pelo Media Lab do Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT) para ajudar crianças a partir de 7 anos no aprendizado de conceitos matemáticos e computacionais.
■ Lego: famosa por seus brinquedos de montar, a empresa oferece uma linha (Mindstorms) na qual as peças têm sensores de toque, intensidade luminosa e temperatura, controlados por um processador programável.


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