NOTÍCIA
Viagem promovida pelo Semesp mostrou experiências de instituições que trabalham em sintonia com o mercado
por Pedro Strelkow, de Berlim (texto e fotos)
A parte teórica de cursos, como o de engenharia, é ministrada na universidade com o respaldo dos professores, que analisam os problemas sugeridos pela empresa e os métodos que serão utilizados para solucioná-los. As situações são colocadas em prática na fábrica, onde os alunos chegam a passar até quatro dias por semana. Mas longe de servir como mão de obra barata para a empresa, os alunos são supervisionados por funcionários e também pelos professores.
Outro modelo de sucesso no meio acadêmico alemão foi o apresentado pelo professor Johann Löhn, presidente e fundador da Steinbeis. A instituição é uma das poucas particulares do país – apenas 3% do ensino superior é oferecido por instituições privadas –, mas quem paga pelos cursos não são os estudantes, e sim seus empregadores. O investimento só ocorre, segundo Löhn, porque as empresas acreditam na competência e na capacidade da universidade de transformar o funcionário e fazer com que ele desenvolva habilidades que serão úteis para o exercício profissional.
De acordo com João Otávio Bastos Junqueira, reitor do Centro Universitário Octávio Bastos (Unifeob), o modelo de parcerias criado na Alemanha é ideal para ser implantado no ensino superior privado brasileiro, em que diversos estudantes estão inseridos no mercado de trabalho e são responsáveis pelo custeio das mensalidades. No entanto, muitos exercem atividade profissional fora da área de formação, o que poderia ser revertido com o estabelecimento de um sistema em que universidades e empresas pudessem se unir para formar mão de obra especializada e bem treinada.
Outro aspecto que chamou a atenção dos participantes foi o fato de que, na Alemanha, as empresas que trabalham com instituições de ensino não estão interessadas apenas em solucionar desafios pontuais. Elas enxergam além e pensam nos benefícios que poderão ser gerados para o desenvolvimento da economia e dos setores produtivos. Pelo que relatou a professora Ida Stamm, do Institut für Innovation und Technik, de Berlim, e pelo que foi visto na Escola Profissionalizante de Munique, as companhias também prestam assistência e aconselhamento às IES e, dependendo da experiência com os alunos, podem até sugerir mudanças no currículo.
Há também uma clara consciência de que o treinamento dado aos estudantes poderá, eventualmente, ser “usufruído” por uma concorrente. As empresas, aliás, contam com essa formação complementar quando contratam um funcionário.
Internacionalização
O número de estrangeiros matriculados na Alemanha está aumentando. Segundo dados da agência de pesquisas Destatis, no ano letivo de 2014 houve um aumento de 4,5% no número de matriculados provenientes de outros países. No total, as instituições receberam 107 mil estrangeiros e parte desse aumento pode ser creditado à boa reputação do sistema alemão mundo afora. Para dar vazão e estimular a internacionalização das instituições, o governo conta com o apoio do DAAD (Deutscher Akademischer Austauschdienst ou serviço alemão de intercâmbio acadêmico) para coordenar os programas de intercâmbio. Dado o sucesso das ações empreendidas, as instituições se depararam com o problema da barreira linguística. Ficou claro que seria necessário incluir cursos de mestrado e doutorado em outras línguas, como o inglês, para atrair mais alunos, medida que foi seguida por diversas de instituições.
A internacionalização também vem sendo estimulada pelas próprias universidades. A professora Vanessa Grunhagen, da Universidade Técnica de Munique, conta que oferece aos estrangeiros cursos de adaptação à cultura e, principalmente, à língua. Na esfera da captação de alunos, a universidade mantém escritórios em vários países, como o Brasil. Por fim, há instituições independentes atuando nesse cenário, como é o caso do Centro Universitário da Baviera para a América Latina. A brasileira Irma de Melo Reiners, diretora-executiva do centro, informa que oferece todo tipo de suporte àqueles que querem estudar em Munique ou em outras universidades do estado da Bavária, seja qual for a instituição de ensino escolhida.
A transição para o ensino superior |
Reconhecido como um dos sistemas educacionais mais eficazes no mundo, o modelo alemão é complexo, meritocrático e calcado em altos padrões de qualidade. Por volta dos dez anos de idade, quando concluem o primeiro ciclo escolar (com duração de quatro anos), os estudantes têm suas notas e comportamentos avaliados para então serem direcionados a um dos seguintes tipos de instituições. Dependendo do certificado obtido, os alunos podem dar continuidade aos estudos – em universidades ou institutos especializados, por exemplo – ou acessar diretamente o mercado de trabalho. Hauptschule: busca desenvolver nos jovens competências e habilidades necessárias para a prática profissional. Leva de cinco a seis anos para ser concluído e confere ao aluno um certificado para cursar uma escola vocacional. Com o diploma, o jovem também pode começar a trabalhar como aprendiz. Realschule: oferece uma formação mais aprofundada em comparação com o Hauptschule e permite aos estudantes frequentar cursos mais adiantados em escolas profissionalizantes, escolas de ensino médio vocacionais ou o segundo ciclo do ensino médio, feito no Gymnasium. Duração de seis anos. Gymnasium: procurado por aqueles que querem cursar uma universidade ou institutos especializados de nível superior. Dura de oito a nove anos, dependendo do estado, e cobre uma ampla gama de assuntos. Gesamthochschulen: oferecida por alguns estados, a modalidade unifica as três variações citadas acima e também confere ao aluno o Abitur, certificado obrigatório para aqueles que vão cursar o ensino superior. |
A experiência dos integrantes da missão |
De acordo com o relato de alguns participantes, as instituições alemãs se revelaram uma referência em termos de alinhamento com o mercado, o que lhes permite tanto trabalhar com um currículo adaptado às demandas das empresas e indústrias, como inserir mais facilmente seus alunos no mercado de trabalho. Muito interessante a relação entre teoria e prática. Observei, entre outras coisas, que os projetos de mestrado e doutorado nascem de situações reais de trabalho, o que mostra que há um forte alinhamento entre pesquisa, desenvolvimento e inovação. Fazer isso é um grande desafio para os gestores. Nessa direção, a primeira atitude por parte das IES deve ser uma autoanálise para ver se, de fato, há uma previsão de trabalho que contemple isso. Em um segundo momento, deve-se estabelecer uma política institucional que permita à instituição concorrer em agências de fomento ou buscar subsídios nas empresas. Sueli Cristina Marquesi, reitora da Universidade Cruzeiro do Sul e do Centro Universitário Módulo No Brasil, existe muito preconceito contra aqueles que não têm um título acadêmico. Aqui na Alemanha esse tipo de pensamento não existe e isso me chamou a atenção. Nas instituições que aplicam o sistema dual de aprendizado, a formação é acompanhada desde cedo e o aluno que termina o ensino médio pode ser direcionado ou para um curso técnico, um técnico profissionalizante ou um bacharelado. Para nós, direcionar um jovem para o ensino técnico equivale a “sacrificá-lo”. Mas na Alemanha, não. Quem vai para esse tipo de ensino apenas possui um perfil diferente. A valorização e a remuneração entre os dois níveis também não são tão discrepantes. João Otávio Bastos Junqueira, reitor da Centro Universitário Octávio Bastos (Unifeob) Já visitei instituições de ensino em mais de quarenta países, mas ainda assim me surpreendi com o que vi na Alemanha. Todos chegam à universidade já com uma profissão, a partir dos modelos aplicados durante o período do ensino médio, etapa em que os alunos passam por vivências em empresas e podem associar a teoria aprendida em sala de aula à prática. No Brasil, lamentavelmente, as universidades são muito teóricas. Além disso, nós não temos bons cursos técnicos de nível médio, o que faz com que os alunos concluam o ensino médio com uma formação teórica fraca e sem as competências desenvolvidas pela prática profissional. Nós já devíamos ter mudado essa cultura, porque enquanto isso não ocorrer, continuaremos sendo pouco competitivos. Precisamos de um projeto educacional forte para formar pessoas capazes de conduzir essa transformação. Wilson de Matos Silva, reitor do Centro Universitário Cesumar (UniCesumar) Absorvi bastante como devemos olhar para dentro da instituição e promover uma formação técnica mais eficiente. Seria difícil aplicar o método dual nos cursos de graduação oferecidos no Brasil. Teríamos mais sucesso na pós-graduação. Acho que problematizar questões da indústria numa pós-graduação lato sensu, dentro de um mestrado ou até mesmo de um doutorado, faria muito sucesso. Arapuan Neto, reitor do Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam)
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