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A luta continua

Marcada por movimentos pelos direitos civis, a sociedade americana ainda convive com um alto grau de racismo, que explode nas manifestações recentes contra o não julgamento de policiais brancos que mataram jovens negros

Publicado em 12/01/2015

por Luciano Velleda

A luta continua

Deitadas no chão frio da Grand Central Station, a principal estação de trem de Nova York, dezenas de pessoas fazem do gesto pouco usual um protesto silencioso em repúdio à violência da polícia americana contra a população negra do país. Os dois recentes casos de assassinatos de homens negros, ambos desarmados – um estrangulado e outro alvejado por seis tiros – cometidos por policiais brancos que a Justiça decidiu não processar, sacolejaram o debate racial nos Estados Unidos. Um tema velho conhecido da sociedade americana, marcada pela luta em prol dos direitos civis trazida à tona pelo movimento negro e que terminou por impactar outras lutas sociais, inclusive no exterior.

A cena na Grand Central Station, em dezembro de 2014, remete a uma cena ocorrida no dia 1o de fevereiro de 1960, quando dezenas de jovens deitaram no chão de uma lanchonete e se recusaram a sair. O ato em Greensboro, na Carolina do Norte, inaugurou a onda de manifestações sit-in – protestos não violentos em bares, restaurantes e outros lugares que se negavam a atender negros. Pacíficas e impactantes, as manifestações expressavam a vontade de uma juventude cansada da passividade de seus pais, reivindicando o direito de ser tratada como igual aos brancos. Os protestos não violentos ganharam força e se espalharam pelo país, principalmente no Sul dos Estados Unidos, região historicamente ligada à escravatura.

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Hoje, tal como naquela época, os protestos pacíficos não são a única alternativa; depredações, incêndios e o confronto aberto contra os policiais igualmente expressam a revolta da comunidade negra. Enquanto na Califórnia e em Nova York crescem as manifestações pacíficas, em Ferguson, estopim da atual crise, a população negra local recorreu à violência para manifestar sua insatisfação.

A primeira luta organizada
A luta pelos direitos civis nos Estados Unidos nascera algumas décadas antes, no começo do século 20, quando em 1909, sob a liderança de William Edward du Bois, os negros americanos se uniram na criação da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (ANAPC). Embora a escravidão tivesse sido oficialmente extinta em 1863, os negros continuavam sendo explorados economicamente e tratados como pessoas de categoria inferior. A estratégia da ANAPC era usar as brechas da lei para lutar pelos direitos civis dos negros.

No começo do século 20, o contexto era extremo. Desde 1896, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidira ser legal separar brancos e negros, respeitando apenas a diretriz de tratar todos de modo igual – o princípio separate but equal. O resultado foram vagões de trem só para brancos e outros só para negros, restaurantes, hotéis, lanchonetes, teatros e lugares públicos proliferando placas only for white (só para brancos) ou only for blacks (só para negros), ou simplesmente white (branco) e colored (de cor). Em 1910, mais de 30 estados americanos proibiam o casamento inter-racial. A primeira grande vitória da ANAPC veio somente em 1954, com o caso Brows versus Conselho de Educação de Topeka, no estado do Kansas. Os advogados da ANAPC defenderam o caso na Suprema Corte dos Estados Unidos e a mais alta instância jurídica do país decidiu que escolas separadas para brancos e negros eram desiguais e, portanto, violavam a Constituição.

O sonho de um homem
No ano seguinte, em dezembro de 1955, na cidade de Montgomery, no estado do Alabama, o gesto corajoso e solitário de Rosa Parks ganhou as manchetes e inflamou ainda mais a comunidade americana. Negra, Rosa foi presa depois de se recusar a dar seu assento em um ônibus para uma pessoa branca. O protesto dos negros se materializou num boicote ao sistema de ônibus – por quase um ano, eles deixaram de usar o transporte coletivo da cidade.

Um ano depois, nova vitória: a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que a segregação no transporte público era inconstitucional. Entre os líderes do boicote começava a se destacar aquele que viria a ser, talvez, o maior símbolo da luta pelos direitos civis dos negros americanos: o pastor Martin Luther King, Jr.

Os protestos pacíficos alcançaram o ápice em agosto de 1963, quando cerca de 250 mil pessoas se reuniram em Washington como forma de pressionar o Congresso a aprovar leis que garantissem os direitos dos negros. Reunidos em frente ao Memorial de Lincoln – o ex-presidente que abolira a escravidão –, Martin Luther King entregou-se de improviso a um discurso que entrou para a história, marcado pela repetição da frase “Eu tenho um sonho”.

As maiores vitórias do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos ocorreram com a aprovação de novas leis em 1964 e 1965. O Ato dos Direitos Civis de 1964 proibiu a discriminação em locais públicos, nas contratações, nos programas de governo e derrubou obstáculos que impediam a votação dos negros. Em 1965, o Ato dos Direitos de Voto foi mais longe e terminou com outras restrições ao voto dos negros, medida que posteriormente resultou no grande aumento do número de eleitores afrodescendentes.

O Movimento pelos Direitos Civis nos Estados Unidos foi diretamente atingido pelo tiro que no dia 4 de abril de 1968 matou Luther King, na cidade de Memphys, no racista estado do Mississippi. O assassinato do vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1964 foi um choque, embora muitos já soubessem do risco real de isso acontecer, inclusive King. A repercussão do crime logo impulsionou o país a enfrentar com mais rigor e medidas práticas a tragédia do racismo. Colocando-se perante o mundo como símbolo do progresso e da democracia, não ficava bem para a imagem dos Estados Unidos conviver com práticas racistas em seu território – as cenas dos protestos e manifestações da comunidade negra desgastavam a reputação do país. Ainda que as manifestações de agora não tenham a mesma força da conjuntura de outrora, nem a liderança de oradores poderosos como Luther King, os protestos começam a desgastar a imagem do presidente Barack Obama, já arranhada por outras questões internas. Por outro lado, os jovens que se deitaram na estação de trem de Nova York têm uma visão midiática de que seus predecessores não puderam usufruir nos anos 60. Num mundo de celulares que fotografam e filmam, com imagens rodando o mundo na velocidade da internet e das redes sociais, eles sabem muito bem o efeito multiplicador do seu ato de não violência.

Métodos distintos
A estratégia das manifestações não violentas lideradas por Luther King custavam a dar resultados. Com o tempo isto foi impacientando parte da comunidade negra, ansiosa por ganhos mais rápidos. Desse sentimento nasceu uma série de outros grupos dispostos a lutar por seus direitos, mas com outro método. Surgiu então um novo líder: Malcolm X.

Luther King já criticava também a exploração da mão de obra, a pobreza e a participação dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. Malcolm X ia além. Muçulmano, o líder do movimento black power pregava a autodefesa contra a brutalidade da polícia, a valorização das tradições afro-americanas e o apoio a movimentos revolucionários no chamado Terceiro Mundo.

O viés islâmico que Malcolm X dava à sua luta, todavia, também não agradava a todos os grupos. No ano da morte de King, surgiu na cidade de Oakland, Califórnia, o Partido dos Panteras Negras, aliando nacionalismo cultural, serviços sociais para a comunidade negra e luta militante contra o racismo. Os Panteras Negras adotaram tradições africanas, mudaram de nome e criaram cursos de estudos afro-americanos nas universidades. Com o passar dos anos, o grupo adquiriu projeção nacional, realizando ações assistenciais, fundando escolas comunitárias e centros médicos destinados a atender a comunidade negra. A luta dos Panteras se relacionava com questões de formação social na base, investindo na educação política de seus membros e recontando a história da população negra nos Estados Unidos por outra perspectiva.

A coragem, as táticas e estratégias do movimento negro americano criaram raízes e logo passaram a inspirar sindicalistas, feministas, lésbicas e gays, povos indígenas e imigrantes não só nos Estados Unidos como no mundo. A luta pelos direitos civis rompia os resquícios da escravidão e se incorporava nas décadas seguintes aos mais diversos setores da sociedade americana.

O presidente negro
Os avanços obtidos pelas mais distintas frentes de luta por direitos foram inegáveis, consolidando-se ao longo das décadas de 80 e 90. O grande símbolo dessas mudanças é a histórica eleição (e a reeleição) de Barack Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Mas nem a eleição de Obama tem sido capaz de alterar o cenário da violência policial contra os negros.

A morte a tiros de Michael Brown, na cidade de Ferguson, e de Eric Garner, estrangulado em Nova York, apenas acrescentam novos números a uma estatística perniciosa. O colunista do The New York Times, Nicholas Kristof, afirmou em recente artigo que há, proporcionalmente, mais negros presos nos Estados Unidos hoje do que durante o pior período do regime segregacionista sul-africano do apartheid. E que a desigualdade social entre negros e brancos é maior na Era Obama do que na África do Sul dos anos 70. Segundo a associação independente de jornalismo investigativo ProPublica, a polícia americana mata a tiros 21 vezes mais os jovens negros do que os brancos da mesma idade.

Enquanto a brutalidade com cor da polícia americana continua, alguns grupos deitam no chão retomando os antigos protestos dos anos 60, ao mesmo tempo que outros não têm a mesma paciência e respondem à violência com mais violência, promovendo saques e depredações. Cenas repetidas de uma longa batalha americana.

Autor

Luciano Velleda


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