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Adeus, papel

De olho na expansão de tablets no Brasil, sistemas educacionais adaptam conteúdos didáticos para o aparelho e desenvolvem sistemas de gestão para controlar o acesso dos alunos

Publicado em 10/09/2012

por Juliana Holanda

Ron Royaks/Corbis/Latinstock
Agora a corrida é para desenvolver os conteúdos educacionais

A moda dos tablets chegou ao setor educacional. No ano em que o Ministério da Educação vai distribuir 600 mil aparelhos para os professores do ensino médio de toda a rede pública, sistemas de ensino estão migrando seus conteúdos didáticos do papel para a nova mídia. E há quem aposte que a tendência chegou realmente para ficar.

Presente em 250 escolas brasileiras, totalizando 83 mil alunos, o Sistema Uno de Ensino anunciou, em julho, o lançamento em terras brasileiras do Uno Internacional, plataforma escolar utilizada em seis países latino-americanos, com abrangência de 150 mil alunos, e que tem o uso do iPad como atrativo. A meta, segundo o grupo, é alcançar um milhão de alunos na América Latina e 250 mil alunos na educação básica particular brasileira até 2015. Para trazer a nova plataforma ao país foram investidos 20 milhões de euros no desenvolvimento de conteúdos específicos e na implantação da infraestrutura necessária para a adoção do sistema no ambiente escolar.

A estratégia da empresa, parte do grupo português-espanhol Santillana, é se expandir no mercado latino-americano, inclusive no setor governamental. A meta é chegar a dez países até 2015. “A América Latina é um grande bloco de resultados desfavoráveis na área educacional. A ideia é termos experiências de sucesso para, com os resultados de dez países, termos um ativo para provar mudanças junto à gestão pública”, diz Nelson Azevedo, diretor de Desenvolvimento de Negócios do Uno Internacional.

A estratégia do grupo é parecida com a do governo brasileiro: prioridade na distribuição de aparelhos para o professor. Mas, enquanto os espanhóis disponibilizam equipamentos Apple, o Ministério da Educação anuncia que quem levou a licitação de compra de tablets para a rede pública foram a Positivo Informática e a CCE Digibras.

Sem web
O Uno Internacional desenvolveu um sistema para que o acesso aos conteúdos possa ser realizado em sala de aula sem a necessidade de acesso à internet. A justificativa é que, assim, os alunos não poderão se dispersar acessando outros conteúdos, uma das maiores preocupações dos professores. Os tablets também não devem sair da escola, pois têm os conteúdos atualizados durante a noite. “O aluno poderia desconfigurar a plataforma”, justifica Nelson.

Toda a sequência do material impresso do Uno está migrando para o iPad, do primeiro ano do ensino fundamental ao ensino médio. A previsão é ofertar toda a sequência didática em iPad a partir do ano letivo de 2013. Já na educação infantil está sendo priorizado o uso de aplicativos.

Para os professores, todo o material de apoio didático será entregue exclusivamente via iPad, já o aluno ainda recebe o material em papel, cabendo ao professor decidir o melhor momento de utilizar a plataforma. A previsão é disponibilizar um iPad por aluno do oitavo ano ao ensino médio e dois por aluno da educação infantil ao sétimo ano.

“Desde 2009 temos a oferta de conteúdo multimídia; o que muda agora é a facilidade. Essa tecnologia é muito mais fácil para o professor, que antes recebia esse material em pen drive. A segunda vantagem é garantir o acesso ao material em multimídia”, explica Maria Beatriz Elias, diretora de Conteúdos do Uno Internacional.

Integral
Já o Sistema Integral de Ensino, de Campinas (SP), que conta com 54 escolas, sendo 14 licenciadas (usam o sistema e levam o nome Integral) e 40 conveniadas, passou a oferecer “solução educacional integrada” baseada no uso do iPad para escolas de fora da rede a partir de agosto último. No começo de 2012, o Colégio Integral distribuiu tablets para todos os dois mil alunos e 150 professores da instituição. Foram investidos R$ 2 milhões na compra de iPads e R$ 1 milhão no desenvolvimento dos sistemas. No começo do ano, a tecnologia foi oferecida para as escolas licenciadas da marca. Das 14 unidades licenciadas, três aderiram ao Projeto iTouch: Poços de Caldas (MG), Pouso Alegre (MG) e Itatiba (SP). Com a abertura para o mercado externo, a expectativa é fechar de dez a 15 contratos em 2013. “Os novos contratos compensam os investimentos”, diz Walther Castelli, diretor executivo do sistema de ensino.

A maior vantagem, segundo ele, é terem desenvolvido um sistema de gestão que fecha o acesso à internet durante as aulas, distribui os conteúdos e pode ser realizado sob demanda. Para os alunos até o 5º ano do ensino fundamental, os iPads são utilizados apenas no ambiente escolar em atividades específicas, em convivência com as apostilas convencionais, cadernos de anotações e outros recursos. A partir do 6º ano todos os alunos recebem o equipamento, em sistema de comodato, podendo levá-los para casa diariamente. O sistema, porém, é capaz de monitorar quaisquer programas ou aplicativos baixados no aparelho. Walther garante que o sistema de gestão consegue monitorar o uso dos iPads em sala, permitindo aos professores chamar a atenção dos alunos em caso de dispersão com outros conteúdos. Com os primeiros meses de experiência, o diretor diz já ser possível relatar o impacto do tablet no aprendizado. “Percebemos maior interesse dos alunos pelos volumes [apostilas] de teoria e menor dispersão em sala.”

Sucesso na Baixada
No Rio de Janeiro, o sistema de ensino Flama, que congrega seis unidades, sendo uma com ensino fundamental e as demais de ensino médio e técnico, investiu cerca de R$ 4,7 milhões para oferecer tablets aos alunos do primeiro ano do ensino médio das cinco unidades que oferecem esse ciclo. O projeto, que foi realizado com recursos da própria escola, deve se estender para escolas de fora da rede, com o recém-criado sistema Ímpar de Ensino. “Existe uma grande demanda de escolas e empresas interessadas nesse modelo de material didático e também como material de apoio”, diz Alex Rangel, diretor comercial do Ímpar e um dos responsáveis pelo projeto de desenvolvimento e aplicação do material dentro das unidades.

A projeção para o início de 2013 é atingir um total de 5.000 alunos utilizando o material, sendo 1.500 alunos do Flama, somente no ensino médio. “Se formos acrescentar o ensino técnico, esse número pode crescer ainda mais, tendo em vista que geralmente escolas que possuem cursos técnicos se utilizam de livros cujos valores hoje, infelizmente, ainda são muito caros”.

Mas Alex admite ter maior preocupação com o uso do tablet por alunos do ensino fundamental I, apesar de não descartar a possibilidade de vir a utilizar o recurso para essa faixa etária. “É uma quebra de paradigma. A gente não sabe a influência que esse tablet vai exercer no processo de escrita, por exemplo.”

Alunos desenvolvedores
O Flama optou pela compra de um produto nacional, fabricado em Extrema (MG), por ser o preço “mais acessível” e pela possibilidade de ser oferecido para outras escolas, inclusive do interior. O sistema também não requer o uso da internet para acessar o material. “O aluno não necessita nem mesmo de trazer o tablet para a aula, tendo em vista que ele tem todo o conteúdo já instalado no equipamento e tem acesso a um material similar através de televisores e computadores instalados em nossas salas”, explica Alex.

Para o desenvolvimento do conteúdo, o Flama está treinando sua própria mão de obra e também usando seus alunos, que são remunerados e qualificados para a função. Atendendo a um perfil de alunos das classes C e D, Alex garante que o retorno de marketing compensa o investimento. “Na nossa região, aqui da Baixada Fluminense, não escuto outra coisa. Todos comentam sobre o acesso dos alunos do Flama ao tablet, não apenas pelo recurso, mas pelo material que disponibilizamos”, garante.

Para o professor de comunicação digital da ECA-USP, Luli Radfahrer, a digitalização dos conteúdos didáticos é uma “viagem sem volta”. Em sua opinião, o iPad ainda possui problemas como peso, tela brilhante e morosidade, mas o tablet é o que se chama de “protecnologia”, ou seja, uma tecnologia ainda em desenvolvimento, o que não impede sua popularização futura. “Daqui para a frente o conteúdo vai ser digital. Se vai ser no iPad de segunda, terceira geração, ou numa máquina que ainda será inventada, não importa”, defende o professor. Para ele, as vantagens da produção do conteúdo digitalizado em larga escala são inegáveis. “O tablet faz todo o sentido para o livro didático. Do ponto de vista financeiro, o custo do conteúdo passa a ser apenas o de produção”, diz Luli, que compara a discussão atual com a que ocorreu no caso da internet, há alguns anos. “Em menos de cinco anos a educação brasileira estará toda digitalizada”, aposta. 

Os tablets na educação

UNO INTERNACIONAL
Investimento: 20 milhões de euros
Hoje: 6 países da América Latina
Meta: 500 escolas no Brasil até 2015

SISTEMA INTEGRAL DE ENSINO
Investimento: R$ 3 milhões
Hoje: 4 escolas da rede têm o projeto iTouch
Meta: 15 novas escolas em 2013

SISTEMA ÍMPAR DE ENSINO
Investimento: R$ 4,7 milhões
Hoje: 5 unidades (primeiro ano do ensino médio)
Meta: 5 mil alunos em 2013

Mercado em definição

Após dez anos desenvolvendo filmes em 3D para empresas, há seis meses os sócios da Faz Digital entraram definitivamente no ramo da educação, com a abertura da 3D Education. A empresa oferece objetos de aprendizagem 3D e módulo 3D estereoscópico adaptados da empresa indiana Designmate. A escola que se interessar pelo produto investe R$ 15 mil por sala em equipamentos: são necessários um projetor 3D, computador com placa gráfica, óculos e tela. Mas, no que diz respeito aos tablets, os executivos da 3D Education ainda são cautelosos. “A questão agora é encontrar sistemas de hardware economicamente viáveis para a escola e para o aluno. Também é necessária uma boa conexão com a internet para rodar esses aplicativos”, lembra Luís Carlos de Carvalho, diretor de relacionamento e negócios da 3D Education. O que deve ser considerado, defende ele, é como esse pacote será oferecido às escolas. “O controle do sistema é fácil. A preocupação hoje é o custo do tablet e o conteúdo a ser oferecido”, diz.

A outra dúvida é quanto ao sistema operacional que irá prevalecer: o IOS, da Apple, ou o Android, usado por empresas como a Samsung. Para Carvalho, o início da fabricação do IPad no Brasil pode ser a resposta que o mercado espera. “A diminuição do custo do aparelho será o grande marco para movimentar o mercado e não a compra pelo governo”, defende.  Para observar o mercado, a 3D Education disponibilizou, gratuitamente, na App Store 15 aplicativos educacionais feitos em parceria com a indiana Designmate. Com menos de um mês de exposição, eles ainda aguardavam as respostas ao conteúdo. “Os indianos estão ansiosos para saber como o mercado brasileiro está se comportando”, diz Nelson.

Professores da rede pública terão tablets

O Ministério da Educação vai investir cerca de R$ 150 milhões neste ano para a compra de 600 mil tablets para uso dos professores do ensino médio de escolas públicas federais, estaduais e municipais. A licitação foi concluída em junho e as empresas vencedoras foram a Positivo Informática e a CCE Digibras, com valores unitários que variaram de R$ 462,49 a R$ 276,99. A previsão de entrega é ainda neste semestre. Caso municípios e estados tenham interesse em comprar mais equipamentos no mesmo valor da ata do FNDE, eles poderão fazer adesão à ata de preços para aquisição de 300 mil equipamentos com recursos próprios. O Registro de Preço Nacional, modelo de compras do FNDE, constitui uma modalidade de licitação que permite ao órgão realizar um único processo de compra sem necessariamente efetivar qualquer contrato. Funciona como um leilão reverso e o vencedor é aquele que oferece o menor preço.

Brasileiros buscam menor preço

Segundo dados da consultoria IDC Brasil, no primeiro trimestre de 2012 foram comercializados 370 mil tablets no país, um crescimento de mais de quatro vezes (351%) em relação ao mesmo período do ano anterior. De acordo com a consultoria, o sucesso dos portáteis se deve aos dispositivos com preços abaixo de R$ 1.000, especialmente de origem chinesa, rodando o sistema operacional Android, do Google. O Android está presente em 61% dos tablets vendidos no país, sendo que antes essa participação era de 43%, atrás do sistema iPad. Em terceiro lugar, com uma fatia pequena de participação, está a plataforma PlayBook, da Research In Motion, fabricante dos celulares Blackberry. A IDC prevê que sejam vendidos 2,5 milhões de tablets no Brasil neste ano, incluída a compra prevista pelo Ministério da Educação para escolas públicas. O montante significa um crescimento de mais de 200% em relação aos 800 mil aparelhos vendidos em 2011. No ano de 2013, a venda deve alcançar cerca de quatro milhões de unidades no país.

Autor

Juliana Holanda


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