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Políticas Públicas

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Publicado em 06/05/2013

Ceará, o berço do Pacto

Programa que inspirou o pacto nacional nasceu em Sobral e é criticado por ter material didático padronizado e estar baseado em avaliações

Divulgação
Crianças fazem a prova do Spaece, parte do programa cearense

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa é uma colcha de retalhos que articula diversas experiências de alfabetização no Brasil aliadas à formação de professores, a exemplo do Pró-Letramento. Mas a principal inspiração e modelo essencial para o Pnaic é um programa do governo do Ceará que teve sua semente plantada em Sobral. Em 2002, o deputado estadual Ivo Gomes (PSB/CE) foi eleito e levou à Assembleia Legislativa sua experiência como secretário de Desenvolvimento da Educação de Sobral. Como presidente do Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar, introduziu em 2004 um programa de erradicação do analfabetismo que nasceu em Sobral, e que no âmbito estadual foi assumido em 2007 e batizado de Programa pela Alfabetização na Idade Certa (Paic).

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Reflexo no Ideb
O Paic surgiu da constatação de que apenas 15% dos alunos do 2o ano do ensino fundamental do Ceará liam e compreendiam um pequeno texto, e somente 42% conseguiram produzir um pequeno texto (nenhum foi considerado ortográfico). Além disso, foram detectados problemas na formação inicial dos professores alfabetizadores e isso resultava, na sala de aula, na maioria deles não possuindo um método para alfabetizar.

Com o auxílio da Undime e da Unicef, o Paic conseguiu capilaridade nos municípios, e se concentrou em cinco eixos: gestão da educação municipal, avaliação externa, alfabetização, educação infantil, literatura infantil e formação do leitor. Desde então, o Ideb do estado para o 4o e 5o ano pulou de 3,2, em 2005, para 4,9 em 2011 (o esperado era 4,0). Se em 2007 apenas 15 municípios, de um universo de 184, tinham nível considerado desejável de alfabetização (um deles era Sobral), em 2011 praticamente todos os municípios alcançaram o mesmo patamar (com a exceção de cinco, que ficaram no nível “suficiente”, segundo mais alto).

Para Idevaldo Bodião, ex-professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, ex-secretário de Educação e Assistência Social de Fortaleza e membro do Comitê Ceará da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, os rápidos resultados da iniciativa foram o principal atrativo da atenção do MEC. “Com a troca de ministros, era preciso encontrar um programa rápido e urgente que desse resultados imediatos. E não é fácil propor, gestar e criar um programa para aplicá-lo nacionalmente e que tenha resultados em um ano ou dois no máximo. Então, a saída foi encontrar algo que já existia, e que pudesse ter visibilidade e capilaridade”, analisa.

Diferenças no material
A principal diferença entre o Paic e o Pnaic está no modelo de material adotado nas formações de orientadores de estudo. Enquanto o Pacto reuniu pesquisadores do Brasil inteiro para elaborar um material aberto e que respeitasse contextos locais e desse liberdade para o professor alfabetizador embasar sua própria prática pedagógica, o Paic criou um material único para o estado que, apesar de sua boa qualidade, segundo Bodião, tolheu a autonomia do professor.

Nesse sentido, a formação seria mais um treinamento para aplicar as apostilas do que fundamentos para o educador refletir e elaborar suas próprias práticas. “Minha preocupação é que se amanhã tirarmos o material desse professor, como ele dará aula? Ele fica absolutamente órfão.” E uma dependência como essa do material exigiria uma formação continuada permanente, o que não acontece. Dessa forma, a iniciativa estaria fadada a ser extinta tão logo não houvesse mais o material, deixando os educadores reféns de uma política que pode ser alterada com uma mudança de governo.

A coordenadora de Cooperação com os Municípios (Copem) da Secretaria Estadual de Educação do Ceará, Lucidalva Pereira Barcelar, diz que o Paic desenvolveu um material estruturado (composto de vários ítens como livro do professor, livro do aluno, material para a sala de aula) associado à formação continuada, com o objetivo de apoiar o professor no processo de alfabetização. “Esse material não fecha ou poda as infinitas possibilidades criativas do ato docente, pelo contrário, ele ajuda o professor a ter mais ideias”, diz Lucidalva.

Maria do Rosário Longo Mordatti, professora titular da Unesp-Marília e presidente da Associação Brasileira de Alfabetização. faz ressalvas a materiais prontos. “Todos os materiais previamente elaborados têm em princípio um problema: sua possibilidade de utilização é bem genérica e ampla para todas as situações”, afirma. “O que ocorre na sala de aula e faz o aluno aprender é a relação que se estabelece entre professor e aluno. Pode ser utilizado um material premiado, mas para que a criança aprenda a ler e a escrever não existe uma técnica padronizada.” Por isso, preocupa a especialista que, com base no material, os professores estejam mais propensos a treinar as crianças para passar em exames do que a de fato alfabetizá-las.

Segundo Maria do Socorro Nunes Macedo, professora da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) e coordenadora do GT de Alfabetização, Leitura e Escrita da Anped, o Pnaic busca driblar justamente essa questão do material da experiência do Ceará, em vez de elaborar um conteúdo único, instrumentalizando o professor para fazer um trabalho a partir do contexto em que está inserido. “O Pacto está trabalhando nessa percepção de que não há como estabelecer um método único”, diz.

Isabel Lima Ciasca, professora associada do nível 1 da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará e coordenadora do Pacto na instituição, complementa: “O material do Pnaic vai ficar mais adequado a qualquer material com que a criança esteja trabalhando, enquanto o material do Paic vai ser específico para o trabalho do estado.”

Leitura do mundo
Outra preocupação expressada por Bodião em relação ao Paic é com a valorização quase que absoluta de conteúdos de língua portuguesa, deixando de lado a leitura do mundo citada por Paulo Freire (“A leitura do mundo precede a leitura da palavra”, dizia o educador). Para Bodião, o processo de alfabetização deveria auxiliar os alunos a entenderem o mundo a partir da palavra escrita, e não simplesmente a aplicarem conteúdos disciplinares. A referência é uma crítica à medida recente do governador Geraldo Alckmin que, em São Paulo, decretou o fim das disciplinas de história, geografia e ciências nos anos iniciais – segundo Bodião, a iniciativa tem como simples motivo melhorar os resultados dos alunos em exames de larga escala, que priorizam português e matemática.

A avaliação é um dos alicerces do Paic, e o seu modelo inspirou o Pacto Nacional. Isso leva ao questionamento, segundo Bodião, sobre o que a avaliação realmente avalia. “Ela avalia se o professor está cumprindo as diretrizes na formatação do Paic. Então qualquer outro professor que tenha um processo de alfabetização diferente não vai bem na avaliação, e isso não quer dizer que ele ensina errado, mas que ele não ensina como no material do Paic”, argumenta.

Lucidalva diz que o Paic oferece avaliações da aprendizagem da leitura e da escrita dos alunos, assim como orientações didáticas, incluindo diferentes métodos de alfabetização. “O Paic não contempla sua avaliação em cima do uso específico de materiais ou de determinado método, mas sim, as de competências e habilidades do aluno no processo de aquisição da leitura e da escrita”, diz.

Os resultados rápidos permitidos pela avaliação são o maior atrativo de programas como o Paic e o Pnaic. O modelo adotado pelas iniciativas, diz Bodião, é capaz de mudar mapas de alfabetização no curto prazo, em cerca de dois anos. Isso seria ideal, se houvesse um legado deixado pelas experiências. O especialista teme, dessa forma, que em dez anos nada reste desses programas. “Parece que só sobrevivem enquanto existe o treinamento para a aplicação do material que está pronto. Não se investe na compreensão autônoma dos próprios professores. E isso é um complicador que não tem sido tratado.”


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