NOTÍCIA
Mozart Neves Ramos aponta a importância de trabalhar as habilidades socioemocionais dos alunos e a necessidade de melhorar a formação docente
As habilidades socioemocionais vêm ganhando cada vez mais espaço na educação, inclusive, fazem parte das 10 competências gerais impostas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Entre as propostas, a escola deve desenvolver no aluno a aptidão da socialização, da atuação em equipe e interação com os desafios que possam surgir no decorrer de sua vida. Segundo Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP, Ribeirão Preto, e membro editorial da revista Educação, o cenário atual é de um mundo disruptivo, em que essas habilidades estão sendo necessárias.
Leia também
O papel das escolas no desenvolvimento de habilidades significativas para a sociedade contemporânea
Futuros professores precisam de mais prática
“O mundo vai exigir cada vez mais uma escola que prepare as pessoas para a vida e não apenas para uma determinada função ou atividade laboral”, aponta Mozart Ramos, que foi secretário de Educação de Pernambuco (2003 a 2006).
Segundo um estudo do professor James Heckman – ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2000 – realizado com crianças durante a primeira infância, alunos que trabalham as habilidades socioemocionais têm 44% maior chance de concluir o ensino médio e 35% menos possibilidade de ter problemas prisionais na vida adulta. Já a pesquisa realizada pela USP de Ribeirão Preto com escolas públicas e particulares apresentou que o trabalho com essas habilidades nos anos iniciais provocou melhores resultados nas disciplinas de língua portuguesa e matemática.
“Se você promove o desenvolvimento dessas competências socioemocionais no aluno, ele terá maiores chances de desenvolver a sua proficiência escolar. E não é só isso. Acredito que quando você trabalha essas competências, ele consegue criar a capacidade de perseverar, de não desistir e de acreditar na sua capacidade de reagir a certas situações. Com isso, você terá um estudante muito mais apto a viver no mundo disruptivo de hoje”, ressalta Mozart.
A pergunta que fica é: como trabalhar essas habilidades em sala de aula? Há diversas metodologias e pesquisas que apresentam bons resultados, como o uso de metodologias ativas. Para Mozart, um bom modelo é a elaboração de trabalhos em grupo e de propostas que façam o aluno buscar respostas a uma problemática em parceria com seus colegas de turma.
“Vou dar um exemplo para tangibilizar essa situação que aconteceu comigo em uma época que eu ainda não estava com essa preocupação de habilidades socioemocionais. Em uma aula de química (eu sou químico) dividi a sala em grupos de quatro, cinco estudantes, cada um tinha um computador e dei um problema. Perguntei: ‘existem moléculas no espaço interestelar na região de Taurus?’. A partir desse ponto eles começaram um trabalho de pesquisa e foram descobrindo as moléculas e como elas surgiam. Com isso eles desenvolveram criatividade, pensamento crítico e colaboração”, exemplifica Mozart.
Leia também
As habilidades socioemocionais também estão sendo valorizadas nas empresas, que deixaram de avaliar e exigir apenas o currículo e passaram a procurar pessoas que saibam trabalhar em equipe, que estejam dispostas a encarar desafios. “Um profissional com essas habilidades e competências desenvolvidas pode ganhar até três vezes mais que um salário de alguém que tecnicamente pode ter todo o conhecimento, mas que não tem outras habilidades para trabalhar de maneira colaborativa, em equipe, e que seja aberto às mudanças”, complementa Mozart.
Mozart Neves Ramos aponta a necessidade de atualizar o modelo de formação de professores
Foto: divulgação
A trajetória de Mozart Neves Ramos na educação é exitosa: reitor da Universidade Federal de Pernambuco entre 1996-1999 e 2000-2003, presidiu entre 2002-2003 a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) em 2006. Além disso, em dois momentos foi membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), tendo deixado o CNE em outubro do ano passado.
Mozart acredita que o maior desafio, atualmente, do trabalho com as habilidades socioemocionais está na formação dos professores, uma vez que eles não estão sendo preparados para trabalhar com o desenvolvimento dessas competências nas escolas.
“Na licenciatura precisamos ter um processo e um projeto de desenvolvimento de formação do professor que dialogue com a realidade da escola, principalmente da pública. E nisso a universidade está muito distante porque boa parte dos professores que hoje lecionam nelas nunca entraram em uma escola pública. É preciso dar uma nova contextualização na formação do professor, ter uma formação mais prática, usar metodologias ativas, trabalhar por meio de problemas, sair do decoreba e do conteudismo e fazer com que esse professor esteja comprometido com o aprendizado dos seus alunos”, defende Mozart.
“Não basta apenas ouvir que [as competências] existem, precisamos saber praticar. Ter humildade para aprender, motivação para aquilo que faz e engajamento profissional para o seu desenvolvimento, na minha opinião, são a chave do sucesso”, conclui Mozart.
Mozart Neves Ramos falará sobre as competências socioemocionais para o desenvolvimento pessoal e profissional no 21º Congresso Brasileiro de Gestão Educacional (GEduc), que acontece entre 29 e 31 de março de 2023, em São Paulo. Para saber mais sobre o evento clique aqui.