NOTÍCIA

Formação docente

Não é momento de os pais se transformarem em alfabetizadores

Os desafios da alfabetização em tempos de isolamento social é destaque desta entrevista com Maria José Nóbrega

Publicado em 11/06/2020

por Redação revista Educação

maze-alfabetizacao Maria José Nóbrega (foto: divulgação)

Em tempos de isolamento social, vale alertar aos pais que não é papel deles alfabetizarem os filhos. Maria José Nóbrega, referência no assunto e consultora e assessora em Língua Portuguesa do Colégio Franciscano Pio XII, de São Paulo, traz algumas dicas para as escolas e famílias sobre o tema. “A docência é uma atividade profissional”, enfatiza.

Contudo, na entrevista que você confere abaixo, Maria José orienta ainda sobre como os pais podem contribuir na aprendizagem neste momento e de que forma é possível desenvolver nos pequenos o estímulo à leitura. Confira:

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Os pais devem alfabetizar seus filhos?

O que precisa ficar claro para os pais agora é que não é possível, nem indicado, que eles rapidamente façam uma imersão e se transformem em alfabetizadores. A docência é uma atividade profissional. Então, nesse sentido, se possível, é importante que haja um acompanhamento um pouco mais próximo do que durante as aulas presenciais, além da ajuda para que as crianças possam lidar com a tecnologia, e, claro, ter paciência, porque elas são bastante ansiosas e cheias de energia.

alfabetizar na quarentena

Maria José Nóbrega (foto: divulgação)

Como não parar o ritmo de alfabetização durante a quarentena?

É importante deixar claro sobre o que estamos falando quando pensamos nesse processo. O que é alfabetizar? É consenso tratar-se de aprender a ler e escrever. Mas o que é aprender a ler e a escrever? Em uma dimensão, pode ser aprender o que as letras representam para poder decifrá-las e grafá-las com autonomia. Em outra, pode ser ingressar na cultura escrita e ser capaz de compreender textos complexos, de redigir textos de gêneros variados em diferentes situações comunicativas.

Na prática, na educação infantil e no 1º e 2º anos propomos situações em que as crianças são convidadas a escrever de acordo com suas hipóteses, a compreender os livros que lemos para ela, a conversar sobre as histórias que lê. O fato de a criança continuar interagindo com objetos culturais em que haja presença de palavras, já faz com que ela pense e reflita sobre esse sistema.

E sobre a letra cursiva, qual sua orientação sobre esse tema?

Normalmente, quando pensamos no processo de compreensão do funcionamento do sistema de escrita, pensamos na letra de forma que, com poucos traços, permite a grafia de todas as letras. Essas, por serem isoladas, possibilitam entender onde começa uma e termina outra. É diferente da cursiva. Por serem emendadas umas às outras, essa característica impede que a criança consiga discriminar o traçado de cada uma. Nesse momento, o que precisa ser entendido é o sistema de escrita, assim como o traçado da letra de imprensa. O treino da letra cursiva retomaremos depois. Nesse momento, podemos respirar em relação a isso.

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 Em relação aos erros ortográficos: até onde é normal e como os pais devem proceder?

Os erros cometidos pelas crianças revelam hipóteses que elas têm sobre o funcionamento do sistema ortográfico. Uma criança que escreve a palavra “carrinho” com um “R” emprega a letra com o mesmo valor que ela assume na palavra “roteiro”, por exemplo. Ela precisa descobrir que, na posição entre duas vogais, usamos “RR”. Todas essas construções levam tempo para serem trabalhadas de uma forma reflexiva e não de uma forma mecânica, como escrever várias vezes “carrinho”. Erros desse tipo são esperados no 2º e 3º anos, quando a criança está descobrindo as regularidades ortográficas. No 4º e 5º anos, espera-se que as crianças aprendam as regularidades morfológicas além de identificarem quais são os contextos irregulares em que mais de uma letra compete para representar um som da fala, aprendendo que, para essas ocasiões, a consulta ao dicionário é indispensável. É um longo caminho.

 Como os pais podem contribuir para o aprendizado neste momento?

Sabemos que os pais envolvidos com a vida escolar das crianças e que acompanham suas atividades escolares têm um impacto positivo no seu desenvolvimento. É diferente de quando os pais fazem o trabalho pelas crianças, pois isso não melhora seu desempenho acadêmico. Nesse momento particular, eu diria que precisamos agir como o esperado em qualquer tempo: interessar-se pela vida escolar das crianças, compartilhar curiosidades, demonstrar seus interesses em relação aos fenômenos naturais, sociais e culturais. Mostrar que, quando estamos curiosos, vamos atrás e buscamos informações. Quando a criança vê que seus pais também têm curiosidade por aquilo que elas aprendem, que nem sempre têm as respostas, mas que vão buscar, isso tem um impacto grande na vida delas. Crianças se apaixonam primeiro pelo amor que elas enxergam que os adultos dedicam aos objetos culturais. Instigar o desejo de perguntar e investigar é a grande forma que a família tem para apoiar a aprendizagem. Muitas vezes, quando as crianças solicitam a presença dos pais, não é necessariamente porque têm uma dúvida, mas pelo sentimento de ansiedade que estão vivendo nesse momento.

 Como a família pode fazer para o filho se interessar pela leitura?

A primeira coisa que é preciso destacar é a compreensão de que um leitor nasce em casas de outros leitores. Então, é natural que, vendo os pais lerem, e vendo que os adultos apreciam livros, revistas e jornais, a criança se interesse por esses objetos culturais. Outro ponto é não subestimar a inteligência das crianças, pois elas têm potencial para interpretar textos complexos, principalmente se tiverem curiosidade. Então, é importante não ficar o tempo inteiro simplificando ou interrompendo para fazer perguntas, duvidando da compreensão delas. Ao ler para crianças ou com as crianças, é importante explorar o livro com elas, chamar a atenção para as ilustrações, convidar a criança a falar sobre o que ela está pensando em relação à história ou aos personagens, ou mesmo o que acha que irá acontecer nas próximas cenas.

O que pode ser feito além das atividades da escola?

Nessa situação, temos que cuidar das questões cognitivas e da formação acadêmica, mas precisamos estar muito atentos ao olhar para as crianças e pensar sobre os sentimentos que estão experimentando. Principalmente, em relação ao sentimento de ansiedade. Elas tiveram a vida muito alterada. Se os adultos também estão frágeis e estressados, imagine as crianças. Nesse sentido, eu diria para preparar uma refeição juntos, assistir a um filme, dançar, ouvir uma música. E não nos esquecer das competências socioemocionais como autoconhecimento, empatia, cooperação, responsabilidade e cidadania, tão importantes para a formação de um cidadão íntegro e equilibrado, com maior flexibilidade para encarar as situações adversas que estamos vivendo.

 A senhora acredita que as crianças podem ser prejudicadas neste período em que estamos?

 O período que estamos vivendo tem um caráter inusitado e raro. Nenhum de nós viveu uma situação parecida com essa. Então, quando estamos pensando, por exemplo, nas aulas remotas, estamos enfrentando e dando uma resposta a um desafio que foi colocado na sociedade como um todo. Um estudo da Unicef apontou o enorme número de crianças que, neste momento, não estão frequentando a escola. É uma questão que extrapola a capacidade de todas as comunidades escolares do mundo. Nesse sentido, as aulas presenciais não podem ser comparadas às aulas que estamos conseguindo manter remotamente. Mas, manter as aulas remotas é uma forma de sustentar as questões de aprendizagem e garantir que as crianças tenham contato com seus educadores, com seus professores.

Tenho uma história que achei comovente, de filhas de uma amiga da educação infantil. Uma delas está um pouco cansada das aulas remotas e perguntou para a mãe se a escola ainda existia, ou se tinha acabado. Os pais ficaram tão sensibilizados com a pergunta que passaram em frente à escola com as crianças para elas verem o prédio. É muito forte a presença da escola na vida das crianças. Nesse sentido, acredito que muitos pensam estarmos vivendo uma situação de prejuízo curricular. Mas, em realidade, estamos aprendendo muitas coisas a partir desse desafio colossal que está colocado para todos nós.

Os professores estão aprendendo a se adaptar com relação ao uso dessas tecnologias para ensino remoto. As crianças estão apresentando uma forma mais autônoma de lidar com as questões escolares. Os pais estão também lidando com desafios do trabalho, além de assumirem os cuidados com a casa e uma presença mais próxima das crianças. É uma aprendizagem coletiva. Certamente vamos sair diferentes dessa situação e tendo desenvolvido muitas habilidades.

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Autor

Redação revista Educação


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