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Em busca de profundidade

Chefe da divisão de Educação do BID defende que atores envolvidos no debate educacional da América Latina precisam abandonar visões e soluções simplistas

Publicado em 27/10/2011

por Redação revista Educação

Em setembro, movimentos de 13 países da América Latina, formados principalmente por empresários, lançaram em Brasília a Rede Latino-Americana de Organizações da Sociedade Civil pela Educação. A iniciativa, apoiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pretende traçar estratégias de mobilização para a melhoria da educação latino-americana e formar um banco de experiências em políticas públicas que tiveram bons resultados. O representante brasileiro na rede é o movimento Todos pela Educação. Em entrevista à repórter Amanda Cieglinski, o chefe da divisão de Educação do BID, Marcelo Cabrol, defende que o debate educacional no continente  ainda é tomado por visões simplistas do que é, de fato, educação. Economista e mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Georgetown, ele avalia que a própria sociedade civil tem de entender melhor as nuances educacionais, para atuar com propriedade no setor. Para Cabrol, uma das missões da nova rede é identificar quais são as políticas que produzem bons resultados e “blindá-las” contra a descontinuidade de governos comum na região. “O que se está vendo na América Latina é que os atuais e futuros ministros da Educação estão cada vez mais interessados em escutar os grupos da sociedade civil. É uma mudança do que se passava há cinco anos, quando eles eram vistos como adversários”, defende.

Quais discussões o novo movimento pretende iniciar?
Um dos debates importantes é começar a ter uma visão holística da escola, que pensa quais são as habilidades do século 21. Atualmente, essas capacidades convergem: enquanto aqui você vai ser mais produtivo, ali você será uma pessoa mais feliz, um melhor pai, etc. Outras habilidades são a autoeficácia, a capacidade de trabalhar em grupo, de entender e pensar criticamente, de criar e inovar. As questões não são apenas da produtividade e esse grupo está começando a entender isso. Há dois elementos que pensamos que esse movimento pode trazer: juntar accountability com parcerias para chegar a essa uma visão completa da escola.

Qual a visão de educação desse grupo? A escola deve ser pensada somente como formadora de futuros trabalhadores?
Não. Fizemos uma excursão com alguns grupos na Argentina e uma coisa que ouvimos de todos que trabalham no setor educacional é que eles têm escutado uma ladainha de críticas por parte dos empresários sobre o sistema educativo. E essas críticas eram seguidas por soluções simplistas como vouchers e accountability no sentido mais economicista da palavra. Não digo que isso não é importante. Mas os empresários e outros setores da sociedade civil têm de começar a entender as nuances e as tonalidades da educação, para ir além da responsabilização.  A resposta mais importante aqui é começar a ver não só holisticamente o que a escola acha, mas também o que esses movimentos podem fazer pelos sistemas educativos. A sociedade civil tem de entender melhor o tema do financiamento, que é compreendido superficialmente. Entender que não necessariamente mais gastos educativos são seguidos por resultados.

No Brasil , o tema da avaliação cria muitas tensões. Há quem defenda que não é possível medir fatores que influenciam na aprendizagem, como as condições socioeconômicas do aluno. Como encontrar um ponto de equilíbrio nessa discussão?
Os sistemas de avaliação têm de ter uma percepção mais completa do que se está avaliando e ser mais úteis para o que se passa na sala de aula. Isso não significa obrigar o professor a ensinar um currículo mais estreito para que os alunos tenham melhores resultados nos testes, mas dar ao professor uma ideia do que ele tem de melhorar e onde estão seus alunos nos níveis diferentes de aprendizagem. Porque se costuma se falar da sala de aula como algo compacto e não é o caso. Temos alunos com mais capacidades, outros com menos. Se a avaliação não permite pensar em como diferenciar a aprendizagem, ela está fechada.  A primeira dívida do tema da avaliação na América Latina é essa. O segundo tema que é importante é como fazer com que essas aferições abarquem outros conhecimentos e habilidades. No BID, estamos pensando em começar a definir, ensinar e avaliar as competências do século 21. No Pisa, sabemos onde estamos e quais são as habilidades cognitivas dos jovens, mas há outras capacidades muito importantes, passíveis de serem medidas, para que o professor ensine melhor.

Em sua opinião, como a tecnologia se insere no ambiente escolar?
A tecnologia tem de transformar a escola e não ser um insumo a mais na função da produção escolar. Então, devemos pensar em um modelo de educação no qual o aluno vai para casa e à noite assiste a uma aula quantas vezes quiser. E quando ele volta para a escola no outro dia, tem o professor e seus colegas fazendo o dever de casa. Nesse momento, começamos a pensar transversalmente no tema do trabalho em grupo, da aprendizagem diferenciada. Para tudo isso funcionar, o professor deverá adotar uma outra forma de ensinar em sala. É mais um papel de tutor do que o de ensinar frontalmente, de simplesmente transmitir conhecimentos. Por exemplo: na hora do dever de casa, o aluno pode encontrar em sala de aula um amigo que sabe muito mais de matemática e, portanto, pode ser um tutor. O professor se verá obrigado perceber as necessidades distintas de cada estudante. Essa é uma escola possível. O custo é o mesmo. O que estou dizendo é que se pensamos as habilidades do século 21 podemos definir como o professor tem de ensinar, o que o aluno tem de fazer e incorporar insumos tão importantes e caros como a tecnologia. A Argentina vai distribuir 3 milhões de laptops para alunos da escola secundária. É um investimento enorme. O Uruguai tem todos os alunos do primário com laptops. A pergunta sobre o uso dos tablets não deve ser se devemos trazer a tecnologia ou não, mas como os tablets se integram na escola que queremos. Essa é obrigação que nós temos.

Se o aluno assiste à aula em casa, qual será o papel do professor? Não é o que está acontecendo nos Estados Unidos, com a substituição dos docentes por computadores?
O que sei dos Estados Unidos hoje é que sim, há muito mais conteúdo on-line e, ao contrário do que se pensa na questão do mercado, o melhor  desse material é aquele sem fins lucrativos e de acesso livre. Por exemplo, lá temos o Khan Academy, que é um dos melhores sites para rever a lição em casa e é grátis. Isso não significa, de nenhuma maneira, uma redução do número de professores nas escolas – ao contrário. Há uma necessidade de mais professores e com uma qualificação melhor. Porque a aprendizagem diferenciada e o trabalho em grupo são mais profundos do ponto de vista docente. Neste caso, a equação não funciona como nas indústrias em que mais tecnologia significa redução de postos de trabalho. Na educação, significa que finalmente há a promessa de pensar a sala de aula com uma visão distinta. A visão do professor como tutor e facilitador não é algo novo. O tema agora é como tornar isso possível. As tecnologias prometem uma plataforma para essa mudança, que não funcionará com um clique. Temos de afastar a ideia de simplificação do sistema educativo. Ao simplificarmos, passamos a acreditar que a tecnologia muda tudo.  A filosofia de Nicholas Negroponte, fundador do projeto One Laptop per Child, era de que o acesso ao laptop por parte do aluno mudaria a forma como se aprende, quase independentemente da ação do professor.  Isso seria ótimo, mas no contexto latino-americano esse é um salto quase ao vazio. A tecnologia tem um potencial. A pergunta é: que escola queremos?  A resposta a esse questionamento se reflete em todos os outros temas.

O recente movimento dos estudantes chilenos trouxe de volta o debate sobre a participação do setor privado na educação. Qual é a visão do BID sobre esse tema?
Temos uma visão um pouco diferente da que tem prevalecido na América Latina. Na região se interpretou a situação do Chile como um problema de privatização da educação. Acreditamos que é simplista dizer que se trata apenas de um problema de ensino público versus privado.  Há dez anos, o mesmo tipo de análise rápida dizia: esse é o modelo educativo do Chile e nós temos de segui-los. E hoje diz: não nos miremos no Chile porque veja o que aconteceu. O Chile é uma oportunidade para a América Latina porque continua sendo um modelo que devemos observar. Do ponto de vista do acesso, o país conseguiu que todas as crianças do quartil mais pobre tivessem a aspiração de seguir estudando. E elas enxergam isso como um direito. O modelo que funcionou, essencialmente, é esse. A parcela mais pobre da população bateu à porta do sistema educativo e disse: queremos entrar. Hoje, o acesso ao ensino superior (de qualidade) triplicou no país – não há situação igual na América Latina. Se o Estado pode ter políticas compensatórias, como redução das taxas de financiamento estudantil ou ampliação das bolsas de estudos, que permitam que os mais pobres não tenham de se endividar para alcançar um alto nível de qualidade, essa é uma discussão que muitos sistemas educativos na América Latina precisam fazer, já que vivem problemas semelhantes. Creio que o Chile tem de ser visto como uma oportunidade de reflexão. Precisamos de análises mais equilibradas e mais aprofundadas sobre  esse assunto. A dicotomia de que toda questão se resume a um problema da privatização e de que a educação pública é necessariamente melhor do que a subsidiada não agrega nada à discussão.

Quais os temas comuns entre os sistemas educativos da América Latina?
Em primeiro lugar, a parte de crise educacional. A educação não é prioridade da agenda política como deveria ser. As soluções e análises simplistas são cada vez mais comuns. Mas também esses países têm uma enorme oportunidade: uma janela demográfica incrivelmente alta. Esse é o momento de investir nos mais jovens porque eles vão sustentar a nossa sociedade nos próximos 30 anos. Os países precisam entender também a importância da inovação. Essa rede que está sendo criada é uma inovação porque vê o sistema educativo como um problema de todos.  E por último, creio que têm a oportunidade de aumentar o investimento em educação. Se aumentar o gasto não é a solução, tampouco é um problema. Se olharmos do ponto de vista econômico, a crise do “mundo desenvolvido” não pegou a América Latina. Esse é o momento de investir em educação.

Autor

Redação revista Educação


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