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Entrevistas

Conexão com a emoção

Em visita ao Brasil, educador chileno Juan Casassus defende educação centrada nas necessidades de aprendizagem dos alunos e na criação de um clima educacional que os torne responsáveis por sua trajetória

Publicado em 10/09/2011

por Redação revista Educação


O educador Juan Casassus: interação para a aprendizagem 

A crise do ensino básico, uma verdadeira epidemia mundial, é resultado de um sistema que não está voltado para o principal personagem das relações de aprendizagem – o aluno. Como consequência, avaliações constantes de estudantes e professores, o emprego intensivo de tecnologia ou a disciplina rígida são alguns dos tratamentos que não têm aliviado o estado da educação. O diagnóstico foi feito pelo educador chileno Juan Casassus, que dá a receita para reverter o atual quadro: estabelecer um novo modelo de ensino que atenda aos interesses reais das crianças e adolescentes de hoje e estabeleça um clima emocional que os aproxime da escola e os torne responsáveis.

Formado em filosofia e sociologia, Casassus é doutor em Sociologia da Educação pela  Universidade Paris V – René Descartes, na França. Como consultor da Unesco, produziu um estudo sobre a qualidade do ensino em 14 países da América Latina, inclusive o Brasil, cujos resultados estão no livro
A escola e a desigualdade

. É também autor de
Tarefas da Educação

e do recém-lançado
Fundamentos da educação emocional

. Atualmente, dirige cursos de Educação Emocional e é diretor do Centro de Formación Indigo, em Santiago do Chile, um espaço "orientado para o desenvolvimento pessoal e às pessoas que trabalham com pessoas". Veja abaixo entrevista concecida ao repórter
Henrique Ostronoff

.


O senhor propõe uma nova relação dos alunos com a aprendizagem. Como seria?


Fundamentalmente, há o fato de que toda pessoa é responsável. E o aluno deve ser responsável pela sua aprendizagem. A responsabilidade seria o marco de uma nova educação. Neurologicamente é assim. Ou seja, eu sou responsável pelo que aprendo. Digo o que é importante e o que não é importante e isso gera um sistema de responsabilidade. Isso cria uma cidadania responsável. E na medida em que você é responsável por seu mundo e por sua aprendizagem, torna-se um ser responsável. Que é uma forma diferente do que ter de ensinar educação cívica e outras coisas do tipo. Existe uma característica de responsabilidade de cada um, de sua aprendizagem e da construção de seu mundo. O que supõe que a pessoa tem de ter capacidade emocional para fazê-lo. Eu sou responsável pelo que ocorre a mim, pelas minhas reações, por reagir ou não reagir. Não está fora, está em eu ser responsável pelo que ocorre comigo e pelo que ocorre fora.


Como se dá a influência do clima educacional no ensino?


Pela relação professor-aluno. O que determina a aprendizagem são os vínculos entre os alunos e o professor e também entre os alunos. Isso cria um clima emocional que abre grandes espaços. Esse processo de interação emocional é que determina a estrutura. A estrutura não determina a conduta das pessoas como é a política atual. Essa é a teoria de fundo. O mundo é interacional, toda hora estamos mudando, tudo muda constantemente. Então, é a partir da interação que se vai desenvolvendo a vida e a aprendizagem, e não na norma externa, que não tem nenhuma importância. O seu único produto é sofrimento e muito mal-estar. Além disso, toda a aprendizagem depende da emoção. Se você não gosta do professor, fica desinteressado; se você gosta do professor, está interessado, aprende tudo. Isso está ligado ao fato de que uma pessoa aprende o que lhe interessa. E não aprende o que não lhe interessa.


O professor ensina o que não interessa aos alunos?


O professor ensina atualmente o que não interessa a ninguém. É um tédio total. Seu trabalho é muito difícil e ingrato. Porque o obrigam a passar a matéria. Muito diferente seria, por exemplo, criar um clima emocional no qual se admite o erro. Temos uma cultura antierro. O que o professor faz normalmente é dar a resposta correta às coisas, reiterar as respostas corretas. Ele dá as respostas e repetem. Mas não há descoberta sem erro. O erro leva ao caminho da descoberta. Investiga-se e se resolve. Todo esse processo de navegar com tempo no erro é um processo emocional. A luta contra a frustração, a desconstrução do erro, é um processo fundamentalmente emocional. É importante incorporar o sistema do erro. Em uma disciplina que condena o erro, se dedicam a dar as respostas corretas a perguntas que não se fazem. É preciso tempo e confiança para poder manifestar o erro sem que haja penalidade. E o que há agora é desconfiança, não há tempo, passam matérias que não se aprende, se estuda, estuda e estuda porque a máquina do docente precisa estar operando.


Então, o que o senhor propõe é uma mudança radical.


Sim. Porque para onde vamos, a rapidez da mudança é tanta que quase não a vemos. É pura impermanência. E a única maneira de estar funcionando nisso é ter a responsabilidade. E essa responsabilidade é emocional.


Vemos hoje professores mal preparados e sem estímulo, e por outro lado muitos alunos que pouco se interessam pelas matérias e a questão da falta de disciplina. Como se reverte isso?


Mudando o sistema. Fazendo com que o sistema cumpra sua palavra de que o mais importante são os alunos. Passemos aos alunos, então. Passemos para a relação que há nas aulas, na relação que existe na aprendizagem, fundamentalmente professor-aluno, mas também aluno-aluno. Existe uma coisa magnífica. O conhecimento só ocorre se exerce ação sobre a emoção. A aprendizagem consiste em trocar uma teoria por outra. É preciso sempre uma armação de conflito, de descoberta de geração de um outro sentido constantemente. E isso ocorre por uma força emocional capaz de interpolar a teoria que se tem atualmente. Por isso que essa ideia de transmitir verdades não serve para a educação. Os alunos do nível secundário sabem muitas coisas, na soma do conhecimento deles sabem muito mais que o professor, o que aparece como um ataque à dignidade do professor. E ele não pode mais ser o detentor de uma verdade construída. Muitos se perguntam como conviver melhor sem violência etc. Bom, na escola não se ensina como viver. Porque há disciplina, regras, autoritarismo. Em um processo de coeducação eu aprendo que posso admitir que estou equivocado e que o outro tem a razão e discutimos e aprendemos como construir uma relação. Em uma situação em que o professor está transmitindo verdades, essa possibilidade de relacionamento, de questionamento, de mudar os rumos das coisas não acontece.


Não é difícil fazer essa mudança?

É lógico que é complicado, porque há uma cultura e uma política que mantêm essa cultura; essa transição é difícil a princípio. O problema é que as crianças estão em outro lugar. Há uma distância muito grande entre a institucionalidade governamental e os professores e o que são os alunos hoje. Uma verdade é que os professores reconhecem que as crianças de hoje não são como as de antes. Mas não se medem as consequências. Não se pode ensinar as crianças de hoje com os métodos de antes. Houve uma mudança muito grande. Ocorreu todo um período histórico de 20, 30 anos, no qual se criou uma sociedade narcisista em que os pais perderam a autoridade. A criança de hoje é absolutamente informada, mas também inconsolável. Os deveres em relação aos pais se perderam. E há problemas também com os professores. Esta criança está só. Ela é certamente diferente de seus pais e de seus professores. Ou seja, o ajuste para harmonizar-se com as crianças pode ser um processo complicado, mas a ideia em si não é complicada. E tem de ser feito. Para isso, é preciso lutar contra essa cultura, contra essa política das coisas externas às necessidades das crianças de hoje.


E como avaliar o professor?


Se o professor vai bem ou mal? O coração da crise que temos hoje consiste em achar que uma prova psicométrica tem a capacidade de definir o que é uma boa ou má educação. Mas ela não produz a informação do que é uma boa educação. O que é uma boa educação? É a do professor honrado, integral, criativo, que é músico e engenheiro ao mesmo tempo, por exemplo. Essa coisa, a prova não detecta. A prova leva a um lugar muito equivocado. E a essa prova se soma todo um sistema de incentivos, que não tem a ver com o que é uma boa educação.


E as provas aplicadas para medir o desempenho dos alunos?


São provas para produzir ranking. O que diz uma prova dessa? Se fazemos uma prova de matemática, um tem 98% correto, outro 97% e outro 96%. Os três sabem matemática, mas um ganhou e o outros perderam, segundo a média. Essa é a informação que aparece. Não diz o que um sabe ou não sabe. Leva a um lugar diferente do da finalidade da educação. O que diz a Constituição do Brasil sobre a finalidade da educação?


Entre outras coisas, que serve para formar cidadãos.


Se você tem boa pontuação em matemática, não há nenhuma garantia de que vai ser um bom cidadão. Matemática e linguagem é pouco. Não faz de alguém um bom cidadão, não faz um bom pai, não faz ser criativo. Isso está levando para outro lado. É muito perverso isso que se está fazendo. Se você pergunta a um empresário o que espera dos recursos humanos, ele vai dizer que espera um trabalhador honesto, criativo, capacitado. A direção do sistema educativo é insana. Não se mede isso por uma prova psicométrica.


A avaliação não é necessária?


Isso não quer dizer que não é preciso ter avaliação. Tem de haver. Mas quem faz, para quê e onde? Os professores têm de fazer avaliação que não seja psicométrica. Porque o maior interesse é a relação com os alunos. Faz parte da responsabilidade do sistema fazer avaliação, mas não essa. Além disso, o princípio que anima esse tipo de avaliação de ranking é algo que separa e não une. Um ganhou, o outro perdeu. Isso divide, não une. E toda a educação deveria ser voltada para unir. A Finlândia não tem sistema de avaliação. E há uma pressão muito forte da imprensa de lá para que se adote um sistema de avaliação. O Pisa [programa de avaliação internacional de alunos] é a única avaliação que eles têm e lhes diz apenas que são os melhores. Em vez de um sistema de avaliação, têm um sistema de investigação. Não têm currículo. A responsabilidade do processo está na mão do professor. E os professores ganham mais do que médicos e engenheiros.

Autor

Redação revista Educação


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