NOTÍCIA

Edição 256

Atividade física modifica a estrutura cerebral das crianças e melhora o desempenho cognitivo

Entenda os benefícios de quando o corpo e cérebro entram em movimento

Publicado em 13/04/2019

por Fernando Louzada

atividade-fisica-jovens-unsplash Estudos reforçam a importância da oferta diária de atividades físicas para crianças e adolescentes (foto: Emile-Victor Portenart/Unsplash)

Os efeitos benéficos da atividade física para a saúde já são amplamente conhecidos. Nas últimas décadas, surgiram evidências adicionais de que ela também é capaz de melhorar o desempenho cognitivo; em crianças, por exemplo, maior capacidade aeróbia está associada positivamente a melhor desempenho em matemática. Paradoxalmente, temos observado um aumento do sedentarismo e do sobrepeso em crianças e adolescen­tes de todo o mundo: dados da OMS revelam que a obesidade entre jovens de 5 a 19 anos aumentou dez vezes nas últimas quatro décadas. Descobertas recentes indicam que aumentar a prática de atividades físicas entre os jovens significa não só combater essa tendência e reduzir riscos de doenças, mas também contribuir para um melhor desenvolvimento cognitivo.


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No final de 2018 foi publicado um estudo na revista Frontiers in Neuroscience no qual foram identificadas alterações cerebrais decorrentes da atividade física. Pesquisadores de diversas universidades norte-americanas investigaram o efeito de um programa de atividade física após o período escolar em um grupo de 76 crianças com idade entre sete e nove anos do estado de Illinois, EUA. Elas foram comparadas com o grupo controle, composto por 67 crianças moradoras da mesma região, da mesma faixa etária e que permaneceram em uma lista de espera para participar das atividades físicas. O programa ocorreu em um intervalo de nove meses, totalizando 150 dias com duas horas de atividade variando entre moderada e vigorosa.

As sessões eram realizadas em estações, nas quais se trabalhavam resistência cardiorrespiratória e força muscular. Todas as sessões eram concluídas com a realização de jogos, partidas  esportivas ou dança em pequenos grupos. As crianças foram encorajadas a desenvolver práticas semelhantes com seus familiares durante os fins de semana.

A estrutura cerebral das crianças antes e após a participação no programa foi avaliada pela técnica de tratografia. Essa técnica permite a identificação de características da substância branca, componente do encéfalo formado principalmente pelos axônios mielinizados.  Os axônios, que fazem parte dos neurônios, são as principais vias de integração de informações no sistema nervoso, formando tratos (algo como se fossem caminhos). Neurônios interligados por esses tratos formam a estrutura de redes neurais que dão suporte às funções cognitivas. A maturação desses tratos de substância branca, decorrente da mielinização, é um elemento fundamental do desenvolvimento. A mielinização de algumas regiões cerebrais só se completa na vida adulta.

As crianças que participaram do programa apresentaram aumento da substância branca no corpo caloso, conjunto de tratos que constitui a principal conexão entre os dois hemisférios cerebrais – o que não ocorreu nas crianças da lista de espera.  Essa alteração estaria associada ao fato de que, nas crianças que participaram do programa, as fibras formadas pelos axônios apresentaram mais mielina e estavam mais compactadas. Efeito semelhante já havia sido observado em idosos, após seis meses de atividade física.

O corpo caloso é uma estrutura do encéfalo que permite a integração de informações sensoriais e motoras, sendo, portanto, essencial para a cognição e o comportamento de maneira geral. O desenvolvimento do corpo caloso está alterado em alguns transtornos do neurodesenvolvimento, como o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e o autismo.

Alterações nessa área do encéfalo não são os únicos efeitos do exercício para o desenvolvimento cerebral. Os mecanismos subjacentes às alterações cerebrais promovidas pela atividade física já estão parcialmente descritos. O exercício aeróbio leva a um aumento de substâncias, chamadas de fatores, que alteram o desenvolvimento do sistema nervoso. Um deles é o fator neurotrófico derivado do cérebro (sigla em inglês BDNF), que participa do crescimento neuronal, da plasticidade e da poda sináptica. O exercício também estimula a produção de outro fator neurotrófico, a IGF-1, o qual está envolvido com a proliferação de oligodendrócitos, células fundamentais para a mielinização dos neurônios.

Os resultados do estudo norte-americano reforçam a importância da oferta diária de atividades físicas para crianças e adolescentes. Políticas públicas nas áreas de saúde e educação devem contemplar essa oferta; à luz do conhecimento científico atual, propostas de mudanças educacionais que flexibilizam o ensino de educação física para crianças e adolescentes e o tornam não obrigatório nas escolas soam, no mínimo, anacrônicas. Atividades físicas supervisionadas por profissionais habilitados devem, obrigatoriamente, fazer parte do cerne de um projeto pedagógico, seja na educação infantil, no ensino fundamental ou médio.

*Fernando Louzada é doutor em Neurociências e Comportamento pela USP e pós-doutorado pela Harvard Medical School

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Autor

Fernando Louzada


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