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Em busca da realidade perdida

Perguntas ajudam a cair no real, a pensar melhor e a dançar conforme a música (da vida)

Publicado em 06/03/2015

por Redacao

Em busca da realidade perdida

A escritora belga Marguerite Yourcenar (1903-1987) escreveu certa vez:
O gráfico de uma vida humana não se compõe de uma linha horizontal e duas perpendiculares, mas de três linhas sinuosas, prolongadas até o infinito, reaproximadas e divergindo sem cessar: o que o homem acreditou ser, o que ele quis ser, e o que ele realmente foi.
O ser humano não é simples. É impossível enquadrá-lo entre duas ou três linhas. Não é fácil desenhar sua alma. Registrar seus paradoxos. Avaliar suas possibilidades. Por isso também não é nada simples educar seres humanos. Ensinar os seres humanos a se tornarem seres humanos é uma tarefa sobre-humana.
Nada se resolve com uma visão simplificada… como esta:

H

O “H” dos humanos tem de ser relido, repensado, reconstruído. O “H” da humanidade não dá conta das nossas entrelinhas e abismos. As três linhas sinuosas que substituem o texto de uma letra só são a pauta desta leitura.
As crenças
 

 
Nossas crenças precisam ser testadas.
Crença de que é necessário, a qualquer preço, ter uma casa própria. (E quando o sonho da casa própria se transformar no pesadelo da própria casa?) Crença de que “vou casar e ser feliz”. (Quando a fórmula secreta do amor é pensar de modo reversível: a felicidade do outro como ingrediente da minha felicidade.) Crença de que o diploma é garantia de sucesso profissional. (Existem diplomas problemáticos…) Crença de que a “minha liberdade acaba quando a do outro começa”. (E liberdades não são coisas ou territórios mensuráveis.) Crença de que no final tudo dará certo… Crença de que as coisas se ajeitam sozinhas… Crença de que sou invulnerável ou imortal…
É fundamental desiludir-se. Perder ilusões e crenças que falsificam a existência. Crenças equivocadas parecem aumentar nosso poder de “compra”, mas no final das contas tornam-se dívidas impagáveis. Mais vale uma dúvida honesta do que uma crença enganosa.
Os planos
 

 
Diz um antigo ditado italiano: “Quer fazer Deus rir? Conte-lhe seus planos”.
Determinados por uma vontade férrea, planejamos nosso dia, nosso ano, nossa vida com a força das sentenças indiscutíveis: acordar cedo, fazer dieta, pedalar mais, trabalhar mais, ganhar mais, subir mais, ler mais, falar menos, gastar menos… Que piada!
Um pouco de realismo nos diz que não estamos no controle absoluto de tudo. Os planos de vida e de aula, os planos de carreira e de sucesso, todos serão questionados pela própria vida. A vida tem seus próprios planos. E não nos dá avisos prévios. Não envia mensagens nem ofícios sobre o que pretende fazer conosco.
Piada ainda mais engraçada é quando pretendemos planejar a vida dos outros: filhos, marido, esposa, alunos, parentes etc. Gostaríamos de ter nas mãos um controle remoto: “Fale!”, “Cale!”, “Fique!”, “Saia!”. O mundo não se movimenta de acordo com o meu querer. Não podemos programar pessoas e coisas como bem entendemos. Querer não é poder.
 
A (dura ou madura) realidade
 

 
Para reconhecer a realidade preciso admitir que não sou tão bom quanto queria, nem tão mau como imaginava. Nem tão brilhante como julgo ser, nem tão incapaz como outros pensam que sou. Nem tão isso como eu sonhava, nem tão aquilo como meus pais sonhavam.
A realidade está sempre de costas para nós. Temos de dar a volta para olhar seu rosto. Essa volta pode ser mais ou menos demorada. Pode jamais acontecer.
O rosto do real e o meu rosto real não estão no espelho. Quebrar espelhos dá sorte. A busca da realidade perdida começa quando nossas crenças se estilhaçam e quando nossos planos tropeçam e caem. Para educar outros seres humanos preciso aprender a me educar. Com realismo.
Lema ou dilema?
A realidade da escola alimenta sonhos e pesadelos, gera esperanças e tristezas, fomenta crenças e provoca dores, promete mundos e entrega sustos. Décadas se passam, e tudo caminha… a passos lentos. Melhoras há, pioras vêm. Uma notícia boa vem de mãos dadas com duas notícias ruins.
Construir uma pátria educadora: lema ou dilema? O Plano Nacional de Educação é um poema utópico ou um estímulo para ações realistas? Dizia um sábio: “Se eu não posso o que eu quero, devo querer o que eu posso”. Mas quem pode o quê na terra dos que acreditam que “manda quem pode, obedece quem tem juízo?”.
Perguntas ajudam a cair no real, a pensar melhor e a dançar conforme a música (da vida). Por exemplo: quem manda porque pode… pode o quê? Tudo? Tudo o quê? E quem obedece sem pensar por acaso tem juízo? Como pode se responsabilizar pelo que faz quem faz sem pensar? Como pode ensinar com liberdade quem pensa que a liberdade é algo manipulável? Como pode ensinar quem não frequenta as aulas da realidade?

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