NOTÍCIA
O desaparecimento do modelo de escola que naturaliza o insucesso de milhões de jovens
Informaram o cirurgião de que, naquela manhã, faria três operações. O médico analisou os relatórios clínicos, preparou procedimentos. Concluiu que, após as intervenções cirúrgicas, dois dos pacientes ficariam curados e o terceiro iria falecer na mesa de operações. Um engenheiro dispôs-se a concluir três projetos e assim procedeu: a primeira das casas projetadas seria sólida, perfeita; a segunda das casas, em escassos meses, apresentaria defeitos de construção; a terceira casa desabaria após a conclusão da obra.
É evidente que o leitor considerará um absurdo aquilo que acabou de ler. Ressalvadas raras exceções, médicos e engenheiros agem com competência, profissionalismo, eticamente. Mas existe um profissional que assim não procede
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Um modelo de escola concebido há duzentos anos, que serviu eficazmente as necessidades sociais do século XIX e as intenções da revolução industrial, continua produzindo exclusão, naturalizando o insucesso de milhões de jovens. Admite haver alunos que “não acompanham o ritmo da turma e da aula” (absurda expressão comumente escutada). O professor aceita que uma parcela significativa dos seus alunos, “naturalmente”, não aprenda. A escola pressupõe que esses alunos precisarão de aulas de apoio e recuperação…
Profeticamente nos diz o amigo Nóvoa que essa escola vai desaparecer. E que não é algo que aconteça num futuro distante: debaixo dos nossos olhos e perante uma certa indiferença da nossa parte, estão acontecendo três revoluções. A primeira é a revolução digital, que está mudando a nossa maneira de sentir, o nosso modo de viver e nossa maneira de aprender. Na segunda revolução passaremos da solidão da sala de aula para a construção coletiva de um projeto educativo. A terceira consiste em pensar a educação para além da escola, de compreender todas as dimensões educativas que existem na cidade, na sociedade. O amigo Nóvoa tem razão. A escola entendida como um prédio está com os dias contados. Em breve, teremos uma instituição que vai além da dimensão física.
Os projetos humanos contemporâneos carecem de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica clara, baseada no saber cuidar e conviver. Requerem que abandonemos estereótipos e preconceitos, exigem que se transforme uma escola obsoleta numa escola que a todos e a cada qual dê oportunidades de ser e de aprender. E está a nascer na América do Sul uma Nova Educação, aquela que muitos visionários anunciam, desde há mais de um século – quem ignora que a história da educação brasileira é pródiga em exemplos de projetos inovadores? No Brasil, acompanho uma revolução silenciosa, herdeira de freirianos percussores, uma revolução que já não poderá ser silenciada.
Convertido ao Sul, busco fazer a minha parte, ajudando a descabralizar a educação. E, numa viagem ao Norte, expus essa intenção a europeus e norte-americanos, bem como a minha convicção de que o Brasil é mesmo o país do futuro da… educação. Etnocentricamente convencidos de que é no Norte que mora a novidade, os gringos desdenharam. Ainda não se aperceberam de que, dentro de alguns anos, os sistemas educativos do Norte serão varridos por um tsunami de boa qualidade educacional provindo do Sul. E que a profecia do amigo Nóvoa se concretizará.
*José Pacheco
Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)
josepacheco@editorasegmento.com.br