NOTÍCIA

Carreira

Autor

Cristina Charão

Publicado em 05/05/2014

Desvalorização histórica

A história da constituição da profissão docente no Brasil ajuda a entender como chegamos ao quadro de desprestígio atual

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Percorrer a história da profissão docente no Brasil é uma maneira de descobrir detalhes do processo que leva ao atual quadro de desprestígio social do magistério. Essa história é indissociável da evolução da escolarização no Brasil e é marcada, principalmente, pela constituição paulatina de diferentes estratos para o trabalho do professor.

O magistério, como outras profissões, obedece a uma regra mais ou menos universal: quanto mais especialização um trabalho requer, mais o profissional será valorizado. O que ocorreu com a docência foi que, ao mesmo tempo que se foi reconhecendo a necessidade de formação específica para que alguém aprendesse a ensinar, a consolidação dos diferentes níveis de ensino também criou diferentes níveis de exigência para os professores. “É uma profissão muito heterogênea e os critérios de entrada e permanência na carreira são muito distintos, o que vai implicar diferenças de formação, diferenças salariais, de condições de trabalho, de carreira”, comenta o professor de história da educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, José Gondra. “Esta é a principal marca da profissão docente no país, que está muitíssimo vinculada à história da escola.”

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À medida que o acesso à escola e aos diferentes níveis de ensino vai sendo incorporado como uma demanda social e sua oferta é expandida, diferentes exigências vão sendo feitas sobre a formação docente e diferentes perfis profissionais vão se estabelecendo. É no início do século 19, logo após a Independência, que o país começa a criar as primeiras Escolas de Primeiras Letras para formar professores para os anos iniciais. Elas darão origem às Escolas Normais, que surgem apenas com o advento da República.

Só nos anos 1930, quando o ensino secundário – o equivalente hoje ao segundo ciclo do fundamental – inicia sua expansão, surgem os primeiros cursos superiores de Educação. Antes disso, as diferentes disciplinas eram oferecidas por pessoas que demonstrassem algum conhecimento naquela área do saber – o que era auferido por testes de conhecimento. Ao longo das décadas seguintes, vão sendo estabelecidos os cursos de pedagogia e as diferentes licenciaturas.

Para o ensino superior, é apenas a partir da década de 1960, com o estabelecimento do sistema de pós-graduação, que exigências específicas passam a ser feitas. Constitui-se, então, a figura do professor-pesquisador, ultraespecializado e, portanto, mais valorizado que os demais.

Menos e mais
Esta estratificação do trabalho docente e as consequentes diferenças de exigências de especialização acabam significando a desvalorização do trabalho de quem está na base da escola. “O educador da criança pequena é visto como um trabalhador menos especializado”, comenta Gondra.

É só no fim do século 20 que a exigência de formação superior passa a ser feita também para os anos iniciais de escolarização e que a educação infantil entra no escopo da formação de pedagogos. Uma mudança muito recente para transformar a cena geral.

Neste quadro, há uma questão puramente matemática a incidir sobre o magistério: como o nível de ensino efetivamente universalizado foi o fundamental, a base da profissão docente é formada por trabalhadores cujo nível de especialização e, portanto de valorização, é mais baixo. Porém, a forma como esta universalização foi realizada também contribuiu para rebaixar ainda mais o prestígio da profissão. “Não houve a manutenção da valorização desses professores”, afirma Gondra.

Mulheres e desvalorização
Outra questão importante na história da profissão é a presença massiva de mulheres. De início, o sistema escolar previa a separação por sexo: nas escolas masculinas (geralmente, voltadas para uma gama de conhecimentos mais ampla), professores homens; nas escolas femininas, professoras mulheres. A reconfiguração das escolas mistas só ocorre no Brasil na virada do século 20 e, ainda assim, por muitos anos ainda persiste a divisão das escolas secundárias e dos internatos em masculinos e femininos.

Essa reconfiguração é marcada por uma preocupação que não desaparece de uma hora para outra: como meninas conviverão diariamente com um homem? Além disso, ensinar crianças pequenas passa a ser associado a uma tarefa semelhante a realizar cuidados maternos, ou seja, um trabalho tipicamente para mulheres. “O trabalho feminino entra, justamente, nos estratos menos valorizados da profissão como um trabalho associado à maternagem, ao cuidado e que exige menos formação e mais uma vocação”, resume o professor da UERJ. 


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