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Pesquisadora discute modelos de formação continuada e cria, junto com professores, materiais adequados para alunos com deficiência visual
Aline: o trabalho colaborativo pode ser uma estratégia produtiva em cursos de formação docente |
Em que medida a formação continuada ajuda os professores em sua prática didática com alunos com deficiência? Esta questão, que permeia o cotidiano de muitos docentes, norteou a bióloga e mestre em Educação Aline Piccoli Otalara em sua tese de doutorado, que será defendida em agosto no programa de pós-graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara.
“As escolas estão recebendo cada vez mais alunos com deficiência e os professores se veem diante da necessidade de produzir materiais para favorecer a aprendizagem desses alunos”, contextualiza Aline, ao falar sobre os motivos que a mobilizaram a realizar a pesquisa que deu origem ao doutorado.
A partir desse mote, a bióloga investigou de que maneira a formação continuada pode colaborar para o trabalho do professor na sala de aula. Para tanto, ela estruturou um curso voltado para graduandos de pedagogia e licenciatura, professores regulares e especializados, destinado a fundamentar o desenvolvimento de materiais didáticos para alunos com deficiência visual.
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Processo colaborativo
O diferencial da pesquisa, enfatiza Aline, é a maneira como a formação, que resultou nos materiais didáticos, foi estruturada: esta se desenvolveu de maneira essencialmente colaborativa. O grupo foi formado por seis pessoas com experiências diversas: uma professora de escola regular, uma professora especializada, uma professora de ONG voltada para o atendimento de deficientes visuais, duas alunas de pedagogia e uma aluna de licenciatura. A composição heterogênea foi proposital e se mostrou uma estratégia enriquecedora.
“Todas as participantes apontaram, na avaliação, que o processo de formação tendo como base a colaboração tem um resultado interessante. Todas apontaram somente pontos positivos”, ressalta a pesquisadora. Segundo ela, cinco das seis participantes ressaltaram a “troca de experiências” como ponto principal.
Daí, infere a pesquisadora, o trabalho colaborativo pode ser uma estratégia produtiva em cursos de formação docente, na medida em que a experiência de cada participante funciona como um fator que favorece o aprimoramento dos demais, potencializando resultados positivos visados pelo curso e a aprendizagem individual.
Para a pesquisadora, esse resultado, pautado também pelas discussões dos participantes do curso ao longo do processo, remete ao formato dos cursos de formação continuada. “A distância entre os cursos propostos e a prática, no dia a dia da escola, é algo recorrente entre muitos professores”, comenta. Nesse sentido, Aline faz, em sua tese, uma série de análises referentes à questão da experiência.
“Autores diferentes apresentam a questão da experiência como um fator relevante na formação do professor, seja ela advinda da formação inicial, da continuada ou de vivências anteriores à docência”, analisa. Por isso, sua discussão tem como um dos eixos o conceito de experiência, a partir da perspectiva do pedagogo e filósofo Jorge Larossa Bondía, professor da Universidade de Barcelona.
Para Larossa, a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Por isso, Aline defende que é possível dizer que um professor em início de carreira pode ser mais “experiente” do que um professor de 20 anos de profissão. “Tendo essa reflexão como premissa, todas as experiências relacionadas à educação devem ser valorizadas e consideradas nos projetos de formação inicial ou continuada de professores.”
Em outras palavras, alunos de qualquer nível (de licenciaturas ou de pedagogia), docentes que tenham concluído uma graduação, ou mesmo aqueles sem formação em pedagogia, mas atuam como professores, podem contribuir com sua experiência em programas de formação docente.
Criando materiais
Em dez semanas, o grupo do curso de formação desenvolveu materiais didáticos para apoiar alunos com deficiência visual da rede regular de ensino. Foram desenvolvidos três materiais didáticos acessíveis a alunos com deficiência visual: um modelo de estrutura química, um gabarito acessível para provas de múltipla escolha e uma maquete móvel. “Caracterizamos os materiais como acessíveis, pois não são exclusivos para pessoas com deficiência. Eles atendem tanto aos deficientes quanto aos demais alunos”, esclarece a pesquisadora.
O objetivo dos materiais é possibilitar que alunos com deficiênciavisual tenham as mesmas oportunidades e condições de aprendizagem que os demais estudantes. O gabarito é um exemplo. “Geralmente em provas como o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio], alguém preenche as respostas para os candidatos que têm deficiência visual. Com o gabarito, os alunos se tornam independentes para responder a prova.”
Foram criados dois modelos diferentes de gabarito, num processo que envolveu uma série de etapas e profissionais de várias especialidades até se chegar a um formato efetivo – definição do design, do material, técnica para preenchimento das respostas etc. Um dos gabaritos possibilita, inclusive, a revisão das respostas, por meio da marcação de mais de uma resposta, quando o candidato está em dúvida.
Já a maquete móvel, denominada “cidadinha”, pode ser usada tanto para o ensino de mobilidade de pessoas com deficiência visual quanto por qualquer aluno nas disciplinas convencionais. “As peças podem ser presas e soltas da maquete a qualquer momento, fazendo com que novos cenários sejam construídos. Por isso, ela pode ser usada em diferentes contextos: aulas de educação ambiental, mobilidade e acessibilidade urbana, matemática, história, ciências, dentre outras.”
Por fim, o modelo de estrutura química atende a uma necessidade dos alunos com deficiência visual. “A estrutura química, estudada a partir de modelos, sempre foi difícil de ser compreendida pelas pessoas com deficiência visual, pois elas não conseguem diferenciar os átomos. As adaptações propostas em nosso modelo facilitam a compreensão”, explica Aline.
A maquete móvel foi desenvolvida pelo próprio grupo durante o curso. Já o modelo de estrutura química e o gabarito foram prototipados por meio de impressoras 3D. Para essa impressão, a pesquisadora contou com o apoio do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT). Todos os materiais estão em fase de patenteamento.
Experiência e escola
Além de discutir o formato dos cursos de formação docente, essa reflexão remete, dentre outros aspectos, às práticas de escola em relação à inclusão de alunos com deficiência, defende a pesquisadora.
Segundo ela, docentes e alunos que participaram do curso enfatizaram que, muitas vezes, a responsabilidade pela produção de materiais para alunos com deficiência
recai, exclusivamente, sobre o professor da sala.
“Na pesquisa discutimos qual modelo de formação pode ser mais favorável para que o professor não tenha de lidar sozinho com os desafios envolvidos em ter um aluno com deficiência em sua sala de aula.” Nesse sentido, propõe a pesquisadora, o desenvolvimento de estratégias nas escolas capazes de fortalecer o trabalho coletivo, envolvendo não apenas os professores que recebem esses alunos em suas salas, mas, também os demais profissionais que atuam na escola, em todas as áreas.
Conheça a pesquisadora
> Aline Piccoli Otalara é bacharel e licenciada em Ciências Biológicas pelo Centro Universitário Hermínio Ometto, de Araras (SP). É mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, e está cursando doutorado em Educação Escolar na Unesp de Araraquara. Coordena um projeto de pesquisa financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp), voltado para o desenvolvimento de tecnologias assistivas para pessoas cegas ou com baixa visão.